sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Empresário luso-angolano (20)





- Mas o que é que tu queres? Explica-me lá, existe outra maneira de trabalhar? Em Angola ninguém trabalha, ninguém sabe trabalhar, isso é coisa que ainda não se inventou. Então não te lembras da expressão, que o trabalho é bom para o negro? Eles quando apanham dinheiro já não o largam. Tem que ser tudo fácil, difícil o branco que o faça. Aprende caramba, aqui para trabalhar só com trapaças, e quem não alinhar no esquema ou é morto a tiro ou à fome. Os conceitos ocidentais aqui não funcionam… estamos na África… em Angola. Os dirigentes enriquecem a roubar, eu não posso fazer o mesmo?! Seguirei os seus passos e roubarei cada vez mais. Bom… com mais estas facturas atingimos os três milhões de dólares. Isto depois vai para a dívida das finanças, vão receber a parte deles e assunto arrumado.
- Dr. Vieira Livingstone, I presume?
- It is true my dear Stanley.
- To explore the new Africa.
- Mas o que é que tu queres? Ó caralho, eles não entenderam nem dão valor ao que o Livingstone fez pela África, porque era branco, tudo o que é dessa cor é para destruir. Como estão sempre distraídos vamos roubando o que lhes resta. Aliás a única palavra que conhecem melhor é essa. O mais admirado e respeitado na África Negra é o que tem poder pelos grandes roubos que fez e que faz. O resto é um conto de fadas. O que interessa é chegar com os bolsos vazios e sair com eles cheios. Por mais que tentemos nunca os conseguiremos civilizar.

CAPÍTULO VII
O ENGENHEIRO MECÂNICO

Vieira grita-me:
- Anda cá ver a nossa oficina de reparação de automóveis. Já está a funcionar. Apresento-te o nosso Engenheiro Mecânico.
O Engenheiro estende-me a mão para o cumprimentar. Logo de seguida tenta impressionar-me:
- Estive em Moçambique, trabalhei com engenheiros alemães durante muitos anos. Numa altura em que eles não estavam, consegui sozinho resolver os problemas das máquinas. Cheguei a inventar uma peça para melhorar o funcionamento de um motor. Quando os alemães regressaram ficaram muito surpreendidos pelo meu trabalho. Mecânica para mim não tem segredos. Trabalho nisto quase desde criança. É a segunda vez que estou em Angola, a primeira foi durante a guerra colonial.
Vieira interrompe e previne-me:
- Apesar de ser uma empresa nova, uma sociedade, não vamos apresentar contas ao fisco, fazemos o movimento na empresa principal. A propósito, toma lá estes documentos para o próximo fecho de contas. Esta merda não pode dar lucro. Se não chegar para o prejuízo, diz-me que invento mais uns documentos.
- Vieira, ainda não contabilizámos os movimentos das contas bancárias em divisas.
- Nem nunca os contabilizaremos, ninguém sabe de nada, a não ser que investiguem. Não ligues, se houver problemas resolvem-se com algumas centenas de dólares.
- O problema é a conta caixa que vai ficar com um saldo astronómico.
- Mas o que é que tu queres? Inventam-se umas facturas e pronto.
O Engenheiro Mecânico está meditabundo. Sentado, escreve qualquer coisa num caderno. Sinto algum receio de o interromper. Parece que ele adivinhou o que eu pensava. Levantou as mãos da secretária, arrancou uma folha do caderno, apresentou-ma e declarou-me:
- Esteja tranquilo que não me incomoda. Sempre que me é possível escrevo poesia, leia-a por favor.
Assim fiz, que mais poderia fazer?
- Acho que perdi para sempre os meus sentimentos. Vejo pessoas a morrerem à fome e não ligo patavina. Vejo miséria por todo o lado, fico insensível. Só penso em mim. Os outros que se lixem. Só eu existo. O dinheiro que roubo, porque a isso sou obrigado, reparto-o comigo muito bem repartido. Sinto-me feliz e seguro, quando vejo nos ecrãs os mortos pelas bombas do crude. O deambular dos esfomeados e demais miseráveis desprezados. Rio-me imenso com as anedotas dos discursos dos políticos. Sinto grande pesar quando vejo o verde das plantas amarelecer, a desaparecer, devido a uma grande negociata. Perante este estado de coisas, sinto-me a qualquer momento morrer sem esperança. É o que nos resta. Creio que estamos num beco sem saída. Andamos mas não sabemos para onde. No fundo da minha alma… acho que estou muito doente, uma doença incurável.
- Acho que é interessante. – Comentei… que mais poderia dizer?
Ele sente-se reconfortado pelo meu comentário. Acha que deve acrescentar algo:
- Deixei de escrever poesia assiduamente porque acho muito fácil. Poesia é revolução e eu sou um revolucionário. A poesia não é um dom, usa-se quando necessária.
De repente mostra um semblante cruel:
- Sabe como é que concebo o mundo de hoje?
- Não.
- Quem me chateia dou-lhe, ou mando-lhe dar um tiro.
Ouve-se a gritaria do Vieira.
- Ainda bem que estão aí. Temos que resolver o problema do software para a segurança das nossas instalações.
Interpela o Engenheiro Mecânico:
- Já resolveste alguma coisa?
- Não, porque não entendo nada disso.
- É pá, temos que resolver isto, porque também podemos vender o sistema a empresas e ganharmos umas boas massas.
Vira-se para mim.
- Já sei, tu és a pessoa indicada. Vamos a Portugal durante um mês, estudas o software porque senão os gajos vêm para aqui, vão-me cobrar aí uns trinta mil dólares ou mais… assim poupamos esse gasto.
- Vieira, quanto é que ganho com esse trabalho?
- Não tens problemas, ficas na minha casa, dormes, bebes e comes.
- Acho que vou pensar profundamente nisso.
- Certo, mas não demores muito tempo.

(O Millennium BCP, mesmo com a actual administração, cujo presidente é o Dr. Carlos Santos Ferreira, continua a extorquir, "roubar" e a saquear dinheiros das contas das vítimas (clientes) silenciadas e indefesas, dando seguimento para o Banco de Portugal como sendo dívida de incumprimento, sujando o "bom nome" do cliente... enquanto os principais responsáveis do BCP, continuam intocáveis, sem serem chamados à justiça.) bcpcrime.blogspot.com

Contrariamente ao anunciado, Vieira, no bar-restaurante improvisado só serve a refeição do almoço. Toda a gente protesta, porque a comida é cozinhada com tal desprezo que mete dó: arroz mal confeccionado com pedaços de gordura e alguma carne para disfarçar. Ele finge que também come, mas depois vai nos seus aposentos, abre o frigorífico e serve-se à vontade. À noite, antes de sairmos faz-nos um convite:
- Arranjei umas sandes de queijo e cerveja, vamos petiscando e conversando.
Éramos apenas quatro, ele, eu, o irmão, e o Engenheiro Mecânico. A única estação de televisão que existia no país apresentava o seu telejornal. Sugeri que se mudasse de canal.
- Vieira põe na CNN.
- Não querias mais nada, isso custa dinheiro.
O noticiário apresenta alguns governantes. Vieira comenta:
- Esse governante, fui eu que lhe dei aulas de economia quando era professor, aquele também… o outro também.
- É por isso que Angola está assim. – Criticou o Engenheiro Mecânico.
- Assim como?!
- Bem organizada. – Ironizou o Engenheiro Mecânico.
- Mas o que é que vocês querem? Se não aprenderam mais é porque não quiseram.
- Aprenderam demais, nessas coisas és um mestre. – Garantiu o Heitor.
- E não fui ministro das finanças porque não aceitei.
- Ainda bem. – Disse em riso de gozo o Heitor
- Não entendi essa.
- O país ficaria demasiado organizado. – Continuou com a mesma risada o irmão.
- Ainda bem que sabes disso.
- Nunca ouviram falar da Cornélia? – Perguntou o Engenheiro Mecânico.
Vieira finge não dar importância à pergunta. Acrescenta:
- Não será mais alguma prostituta da noite que anda aí a espalhar SIDA por vingança?
- Não é nada disso, posso contar? – Insistiu o Engenheiro.
- Conta lá. – Exigiu o Vieira.
- É do Dicionário Prático Ilustrado Lello. Cornélia, filha de Cipião, o Africano, e mãe dos Gracos. Tendo ficado viúva com doze filhos, só conservou uma filha que casou com Cipião Emiliano, e dois filhos, Tibério e Caio, famosos pelo seu talento e coragem e pelo seu trágico destino. Mulher de carácter viril e de espírito cultivado, Cornélia educou os seus filhos com o maior esmero, inspirando-lhes o amor do bem público e do povo, e a paixão da glória e dos grandes feitos, perguntando-lhes às vezes se sempre lhe chamariam a filha de Cipião e nunca a mãe dos Gracos. Um dia uma rica patrícia da Campânia, mostrando-lhe as suas jóias, pediu-lhe para ver também as dela. Cornélia apresentou-lhe os seus filhos: Eis, disse ela, as minhas jóias e adornos preciosos.



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