quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O PARAÍSO PERDIDO A OCIDENTE (12)







Para compreender o livro tive que escrever outro. Além do dicionário também anotava o que me explicavam. O pior surgiu quando perguntei o que era entropia. O José Júlio disse-me para ir ao Instituto Superior Técnico, que lá tem um livro, compras e depois ficas a perceber. É que nenhum deles me sabia explicar o que era. De repente passaram a chamar-me Zé Maluco. Toda a gente. Sentia-me muito deprimido com isso.

O Abílio apareceu e chamou-me a sós. Pensei que era para me pregar alguma partida. Disse-me que estava com o carro do pai dele, e que ia comer uma miúda ali para os lados da Pontinha. Desconfiado lá fui. Chegámos. Enquanto fiquei à espera no carro vi que era verdade. O Abílio vinha acompanhado de uma moça que deveria ter entre dezasseis a dezoito anos. Cabelo mal penteado, a saia um pouco amarrotada, seios fartos que a falta de dois botões da blusa deixavam à mostra. O corpo era agradável, e se bem cuidado e com indumentária apropriada ela seria muito bonita, mas mesmo assim dava para notar a sua beleza escondida nos trapos que vestia. Desconfiei que era uma prostituta que vivia nas barracas. Mas não, não era. De facto era uma pobre mulher que vivia nas barracas, mas não era prostituta. Gostava muito do Luís. Ele depois conduziu um pouco e parou o carro. Saímos e fomos para um terreno de vegetação fechada, creio que era um milheiral bem crescido. O Abílio ficou com ela enquanto eu aguardava. Passados alguns momentos ouvi gemidos baixos, depois mais altos.
- Ai Querido! Ai Querida!
Ouvi ele dizer:
- Espera aí que vou falar com o meu amigo.
Piscou-me o olho e fez-me sinal para avançar. Avancei mas ela recusou a minha presença. Tentei acariciar-lhe os seios, ela segurou as minhas mãos com força:
- Não, não quero!
- Querida, deixa-me chupar as mamas.
- Não, não quero. Não sou nenhuma puta. Chama o Abílio.
O Abílio ouviu a conversa e aproximou-se:
- Filha gosto muito de ti… compreende, tens que fazer o jeito ao meu amigo. Nós viemos um pouco de longe como sabes, e lá nos Olivais-Sul há uma crise muito grande de mulheres. Não há mulheres entendes?
- Está bem aceito. Mas faço isto por ti.
O lenço com que ela limpava o ventre ainda molhado, húmido do gozo do Abílio deixou-o ao seu lado. Não tinha sutiã. Agarrei nos dois seios ao mesmo tempo, e um após outro suguei-os com força. Ela disse que já estavam tesos. Acariciei-lhe a vagina e o clítoris. A gemer disse-me para mexer mais devagar porque lhe estava a doer. Penetrei-a docemente, e depois com um ímpeto sem fim acabei num jacto final de leite oprimido, liberto com um suspiro de grande satisfação.

Numa manhã com o Quitério na baixa de Lisboa, na Rua do Ouro, ouvimos de repente um som que fazia lembrar as reses em louca correria como num filme de caubóis. Eram muitos estudantes que fugiam da polícia devido a uma manifestação. Tivemos tempo para nos refugiarmos numa porta, enquanto assistíamos à fuga desordenada do que parecia uma manada humana. Se não o fizéssemos seríamos esmagados. Depois respirámos de alívio. Regressávamos a casa comentando o acontecido. Enquanto nos despedíamos o Quitério disse-me que depois do jantar nos encontraríamos no Frederico.

Quando cheguei o ambiente estava animado. Parecia um comício. Estava o Zé Luís, o Mota, o Quitério, a equipa toda. O Quitério estava agitado:
- Este país é uma merda. Não temos liberdade. Não temos direito a manifestar a nossa opinião. Se emitirmos uma crítica somos logo acusados de comunistas. Se falamos contra a guerra das colónias somos presos pela Pide. Todos os meios de comunicação são censurados. Por causa disto tudo somos o país mais atrasado da Europa.
O Zé Luís intervém.
- De facto isto está muito grave. Toda a nossa juventude está a ir para a guerra. Os campos estão a ficar abandonados. Muita gente está a dar o salto para a França e outros países. A ignorância aumenta e a miséria também. Por causa da política de Salazar e dos seus “orgulhosamente sós”, estamos nos três efes. Futebol, Fátima e Fado.
O Mota diz:
- Fátima? As aparições? Disseram-me que se tratava de uma senhora que era amante de um alto senhor, e que combinavam os seus encontros no local onde os pastorinhos apareciam. Como este povo é ignorante e supersticioso acreditam em tudo o que lhes dizem. A Inglaterra libertou-se das suas colónias. Deu-lhes a independência. Com a política que Salazar segue está a levar o país para o caos.
Alguém diz:
- Se ficarmos sem as colónias que será de nós? Vem quase tudo de lá. Ficaremos na miséria. E o petróleo também vem de lá.
O Zé Luís irrita-se:
- É ao contrário. Quem está a pagar a guerra somos nós. Os prejuízos são muito elevados. Apenas beneficiam meia dúzia de pessoas. Esta guerra já é um comércio. Não esquecer que o rei do aço nos EUA já fez uma fortuna colossal com a guerra do Vietname. A Suíça é um país pequeno e vive essencialmente dos relógios e do turismo na neve. Portanto não necessitamos das colónias. Devemos dar a independência entregar o poder...
Alguém fez sinal para acabar com a conversa, e começaram a falar de futebol.
- Eu gosto muito do Benfica.
- Quem é que tem os resultados dos jogos?

Esta súbita mudança de conversa deveu-se à entrada de um suspeito. O Zé Luís disse que era um bufo da Pide. De facto o seu aspecto e a sua postura levavam a essa conclusão. Tinha cerca de quarenta e cinco anos. Chapéu meio enterrado na cabeça. Barrigudo e com um fato quase vulgar. O casaco tinha lapelas largas. Já me tinham dito que servia para esconder o distintivo. Rosto e olhar duro, que pareciam mostrar algum ódio. No balcão disse algumas palavras, voltou-se e olhou para todo o lado. Veio ocupar precisamente a mesa ao nosso lado. Tomou um café. Começou a ler o jornal que trazia, A Capital. Fiquei muito preocupado. Aliás estávamos sempre com medo. Seria desta que seriamos presos e acusados de malditos comunistas que até comem pessoas?

- O Eusébio é um grande jogador, e a Amália Rodrigues uma grande fadista. Graças a eles o nosso país é conhecido em todo o mundo. -  Disse o Mota.
- Não esquecer também as touradas. Tenho um irmão que é forcado. A propósito amanhã é dia de tourada no Campo Pequeno, quem quiser ir diga para eu comprar os bilhetes. -  Acrescentou o Quitério.
De súbito alguém olhou para duas revistas que estavam bem visíveis na mesa. A Seara Nova e O Comércio do Funchal. Confesso que lia as duas e quem as comprava era o Zé Luís, que depois circulavam de mão em mão. A Seara Nova tinha alguns artigos que para mim eram difíceis de entender, pois que ainda não tinha bagagem cultural suficiente. Mas só a presença delas na mesa denunciava quem éramos, porque os Pides entendiam que quem as lia era comunista. Um de nós levantou-se e foi buscar o Diário de Noticias, poisou-o em cima das revistas e assim estas ficaram ocultas. Entretanto o Pide levantou-se, disse-nos boa-noite, e foi-se embora. O Quitério recomeçou o debate:
- Estão a ver esta merda? Um gajo não pode estar em lado nenhum a conversar em paz. Estou a estudar às escondidas o Capital do Marx. Se sou apanhado ai de mim! Já viram isto?







Imagens: Internet

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