«Ah! A mana Antónia não está lá em
baixo?» «Não! Foi outra vez com as filhas para o hospital!»
A mana Antónia vende cerveja, vinho,
ginguba e banana assada na rua mesmo em frente do prédio onde reside, assim
está em contacto íntimo com os seus clientes.
As duas filhas, uma de dezoito e outra
de catorze anos têm células falciformes. As características desta doença são: “A anemia falciforme é uma doença
genética e hereditária, predominante em negros, mas que pode manifestar-se também
nos brancos. É uma doença hereditária (passa dos pais para os filhos)
caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os
parecidos com uma foice, daí o nome falciforme.”
Por isso, é frequente a mana Antónia ir
com as filhas para o hospital e lá ficar com elas de sentinela, ir comprar os
medicamentos e apoiá-las no mais que for necessário, e o dinheiro amealhado
desaparece, não chega para as despesas, e devido a essa doença as meninas estão
sempre doentes. Como se não bastasse o seu infortúnio, os fiscais agora muito
sem dó nem piedade, passam – passam-lhe a ferro - e de vez em quando
carregam-lhe com os produtos da venda e ela fica a rastejar na miséria.
Mas a desdita não se fica por aqui,
agora parece que é moda, ela tem óbito atrás de óbito e tem que contribuir.
Então lá vai ela fazer o pedido da contribuição, e os kilapi sobem, sobem. O
pior é como os pagar depois. Ela diz que todos os dias morre alguém que conhece.
E as desgraças sucedem-se: um irmão de
trinta anos tinha relações sexuais com uma vizinha de nove anos já há um bom
tempo. O pai da menina montou vigilância, emboscou-se e apanhou-o em flagrante
delito. Ele em cima da criança a gozar com tantas adultas que há por aí. Se
calhar como não pagava nada, o serviço era gratuito e estava mesmo à mão de
semear, bastava dizer à criança, levanta a saia, ou tira o calção. O tarado
sexual foi parar na prisão e os polícias pedem bwé de kumbu. E a mana Antónia
lá anda na perseguição das kinguilas e a bater de porta em porta. De tal modo
que até lhe atiraram, se ela é das Testemunhas de Jeová. Mas as kinguilas não
lhe apoiaram, até que ela é muito amiga delas, porque, como elas disseram, o
negócio agora está mal, há pouca gente a trocar moeda, quem aparece são os
chineses, mas mesmo assim não dá, o negócio está a arrear.
A má sorte não lhe larga, impiedosa como
a morte tortura-a à espera que ela se dê por vencida. O seu filho de vinte anos
foi apanhado – não é a primeira vez – a fumar liamba no largo, de noite,
convencido que assim não daria nas vistas. O azar é que a liamba deixa um
cheiro característico, fácil de detectar. E os polícias prenderam-no e agora
para o tirar da prisão é mais uma montanha de kwanzas, claro que também aceitam
dólares. E outra vez a mana Antónia na correria quase tresloucada – pouco
falta, a continuar assim, decerto uma fatal trombose a acometerá e ela
sucumbirá – outra vez a bater nas portas dos vizinhos a implorar dinheiro para
que o filho escape da prisão.
Agora só está a vender ginguba e banana
assada, e para isso contraiu novo empréstimo. O negócio está mesmo muito fraco,
e os fiscais fazem a sua aparição relâmpago, caiem-lhe como aves de rapina e
espoliam-lhe a ginguba e a banana. Mas ela não desiste porque dos fracos não
reza a história.
De vez em quando circulam jovens
mwangolés com cães ferozes e aproximam-se dela que fica receosa. É truque para
a distraírem e lhe roubarem alguma coisa, preferivelmente o dinheiro, mas como
uma vez lhe roubaram a carteira, ela agora esconde o dinheiro na roupa. Quer dizer,
pessoa pobre também se assalta. Estamos bem lixados!
Às vezes ela fica no negócio até um
bocado mais tarde, e vê meninas crianças a sondarem o ambiente para entrega do
corpo. Costumam assediar os seguranças, mas estes ganham pouco e depois de se
saciarem e gozarem nos seus tenros corpos, furtam-se ao pagamento, e então o
escândalo rebenta com gritaria que se houve muito bem no interior das casas.
Não se sabe o que é que os gatunos
queriam da sua casa. Movidos por falsa informação – se calhar não fizeram
estudo de viabilidade económica, e muito menos financeira – tentaram
assaltar-lhe a casa às vinte e uma horas. Como o marido tem uma pistola, deu
alguns tiros para o ar, e os gatunos abandonaram a esfrega, isto é, o campo de
batalha, preferindo fazer uma retirada estratégica.
Quando estava balada emprestou vinte mil
kwanzas a um benguelense. Passado um mês entregou-lhe uma garrafa de gás de
cozinha, dessas dos doze quilos para trazer uma cheia. As horas passaram, os
dias também e do benguelense nada. Depois veio-se a saber que ele vendeu a
garrafa, apanhou o autocarro e fugiu para Benguela. Até hoje ninguém mais o viu
por estas bandas.
Um segurança aflito pediu-lhe dez mil
kwanzas que depois lhe pagaria aos poucos do seu vencimento mensal. Mas
passados alguns dias o segurança não mais se apresentou ao serviço no seu posto.
Encetadas diligências para a sua localização, um outro segurança colega dele
disse que alguém o viu algures lá para as bandas de Kilengues na Huíla.
A mana Antónia tinha um terreno muito
cobiçado, salvo erro lá para os lados de Viana. Alguém lhe apareceu e fez-lhe
uma proposta de venda que ela recusou, porque lá tinha algumas árvores de fruto
e hortícolas, as quais lhe reforçavam o seu OGF - orçamento geral familiar, o preço
conforme ela indagou era baixo. Mas os amigos da onça encostaram-na na desgraça
ameaçando-a que era pegar ou largar, e só tinha duas escolhas: ou vendia o
terreno ou ficava sem ele, e a segunda escolha era idêntica à primeira. Ela
também tentou mexer-se mas não deu, porque por trás desse muro das lamentações
havia peixe muito graúdo e assim se apoderaram do terreno e até hoje ela não
viu nada, nem uma moeda.
E num cemitério onde os seus familiares
estavam enterrados, também por cima das suas ossadas ergueram casas de luxo.
Aliás isso é geral por toda a Luanda, apesar de tanta terra que Angola tem. E em
Luanda tudo e todos se amontoam como se Angola não existisse.
Não vale a pena deitar foguetes de
contentamento porque o infortúnio sempre nos encontra. A vida é cheia de rasteiras
que por mais que as evitemos nelas amiúde nos estatelamos. E quando nos
convencemos que somos os mais espertos esquecemo-nos que há sempre alguém que
nos dá a volta numa boa. É bem verdade que a vida está muito difícil. Basta ver
os estrangeiros que procuram trabalho em Angola, como se fosse possível a sua
absorção, mas eles acham que sim. A curto prazo verão o erro que cometeram, e
exportar miséria para Angola não é solução, é problema.
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