quinta-feira, 19 de julho de 2012

AS CINCO MAGNÍFICAS (04). Contém cenas eventualmente chocantes


  
  
- George, parece um filme de terror.
- O que me surpreende é como um Governo deixa assim os seus cidadãos morrerem abandonados. Se algo me aflige dirijo-me à minha embaixada e sou devidamente atendido. O Governo de Sua Majestade tem o controlo efectivo de todos os seus súbditos em qualquer ponto do mundo. Os Governos Africanos perante o apoio que os seus cidadãos reclamam, até chegam ao ponto de as suas embaixadas desconhecerem e negarem, que não é cidadão nacional. Vivem apenas da falsificação de documentos.
George era muito prático e objectivo. Creio que os ingleses são todos assim. Qualquer motivo que os incomode limitam-se apenas a dizer sheet (merda). Já passava do meio-dia quando acordei. George deixou um papel espetado na porta a dizer que estava na praia. Enquanto vestia uma camisola leve e um calção, ouvia algumas vozes longínquas trazidas pelo vento do mar. Lembrei-me de passar um pouco de água pelo rosto. Antes de sair peguei num boné para me proteger do sol. Pus a toalha no ombro. Calcei uns chinelos. Caminhei pela areia com alguma dificuldade devido a que os chinelos se enterravam. Estava maré cheia. O som das ondas que batia na areia oferecia uma estranha sensação de bem-estar. Pareciam um convite para dormir.
O sol do meio-dia estava muito quente. A areia também. Com os pés descalços não era possível suportar tal temperatura. A praia estava cheia de lixo devido à tempestade da noite. George à boa maneira inglesa já tinha tudo preparado. A mesa estava recheada de grandes gambas. Antes de me aproximar já tinha uma cerveja aberta à minha disposição. George convida-me:
- A tua cadeira está aí. Desfruta o mar e o que ele nos colocou na nossa mesa.
Primeiro comi algumas gambas, depois bebi a cerveja quase sem parar. O sol junto ao mar faz muita sede. George pergunta-me:
- Dormiste bem?
- Sim, e tu?
- Também.
Surgem quatro jovens femininas que se sentam junto a nós. Gulosamente olham para a nossa mesa e para as cervejas. Uma delas está com um sutiã transparente. Os seios são gordos, redondos e volumosos. Levanta-se, aproxima-se e diz:
- Boa tarde. Por favor podem-me dar um cigarro?
Dei-lhe um e pediu para lho acender, mas não se ficou por aí:
- Está tanto calor que me apetecia uma cerveja bem gelada.
Demos-lhe uma, depois de a beber voltou e disse:
- Desculpem, não podem dar-me mais três para as minhas amigas? Nós somos muito boa companhia, e se não se importarem...
George cortou-lhe o diálogo:
- Não temos mais cerveja.
Ela foi-se embora, para junto das suas amigas. Esticavam os sutiãs e os minúsculos biquínis o mais que podiam, na tentativa de nos atrair. O inglês segreda-me:
- É difícil relaxar um bocado. Elas estão por todo o lado. Onde vêem estrangeiros fazem tudo para os conquistar. O melhor é não lhes prestarmos atenção, creio que daqui a pouco vão embora.
De facto, poucos minutos depois as belezas de ocasião abandonaram o local. Ouvem-se vozes que se aproximam. Parecem exaltadas. São os três sócios que trazem duas caixas térmicas. João interroga:
- Vocês estão a gostar do ambiente?
- Sim, é bastante agradável. – Respondi.
- Se não fosse a chuvada desta noite, seria melhor. Permitem que vos façamos companhia?
George anuiu:
- Sejam bem-vindos.
Instalaram um grande chapéu-de-sol que publicitava uma companhia aérea portuguesa, e um clube recreativo local que tinham apoiado um rali. Dava a impressão que queriam que escutássemos tudo o que diziam. João tirou uma cerveja da caixa térmica. Bebeu-a até meio, respirou fundo e perguntou:
- Virgílio, podes explicar onde estão os dez mil dólares do patrocínio do rali?
- Foram gastos no clube.
- Que eu saiba não foram lá parar.
- Calma aí, depois vou justificar.
- Virgílio, sei de fonte fidedigna que o dinheiro está na tua conta em Portugal.
- Hum! Não sabia que tinhas espiões. Acho que isso pouco interessa para a nossa discussão, o dinheiro vai ser empregue no clube, e na devida altura apresentarei contas disso.
- Mas, já passou quase um ano.
- João, isso não faz nenhuma diferença. Quando te ausentas ficas fora tanto tempo, que chegamos a duvidar se realmente queres trabalhar. Na realidade somos nós que aguentamos a empresa dia e noite. Esse montante irá para o clube, e está fora de discussão.
- Para o clube não, para ti.
Roque põe ênfase:
- O Virgílio tem que explicar para onde foi o dinheiro, assim como os relógios que foram roubados, e depois apareceram nos pulsos e nas casas dos seus familiares.
Virgílio perde a calma e grita:
- Estás-me a acusar de gatuno?
- Não, longe disso. Ainda tens que explicar como é que conseguiste gastar milhões nas obras dos nossos protectores.
- A nossa contabilidade faz fé disso.
- Sim, mas os gastos são exorbitantes. Durante a nossa ausência passas cheques de milhões que nunca conseguimos apurar o fim a que se destinam.
João muito exaltado pretende pôr fim à questão:
- Roque, sabemos que quando nos apresentas as contas de fim de ano inventas documentos. Tens duas empresas no estrangeiro que nos fornecem. Sobrefacturas tudo o que nos envias. Estás pura e simplesmente a roubar-nos.
- Não sei porque é que vocês não abriram empresas no estrangeiro. Estão à espera de quê?
- Mas essas empresas foram criadas à nossa revelia.
- Admito que o foram. Considero que é apenas uma oportunidade de negócio. Este mundo é dos espertos.
Acabaram com a discussão. Talvez arrependidos por terem dito o que não deviam na presença de estranhos. João tenta disfarçar:
- Meus amigos desejo-vos uma boa continuação de fim-de-semana!
Alguns barcos aproximavam-se. Acostavam e as pessoas descarregavam o que traziam. Vinham procurar o repouso de uma semana agitada. Depois da troca de palavras, os que me convidaram decidiram saciar a fome. Tiraram algumas lagostas e por entre risos bebiam cerveja. Parecia que nada havia acontecido. Olhei para George e disse:
- Acho que o comportamento deles se deve à tempestade desta noite.
- Não, não acho. Um deles é muito amigo do principal protector. Devido à guerra tem contratos que lhes proporcionam grandes rendimentos inesperados. E onde muito dinheiro surge com facilidade, o desentendimento também. Isto é típico nestes países. As empresas surgem, e de um dia para o outro acabam. Onde há muito dinheiro, também há muitos gatunos que estão sempre a vigiar. Pretensamente são amigos, mas o dinheiro é inimigo deles.

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