O mais
importante é destruir. E depois de lhe espoliarem o casebre – a razão do seu
viver – a espoliada montou uma parca venda junto à porta dum prédio. Mas mesmo
assim não conseguiu sobreviver, porque os defensores da autoridade espoliadora
também lhe espoliaram o que lhe restava da sua vida. Agora tem como meta a
prostituição do seu corpo, mas o seu espírito de revolta permanece bem latente,
forte, determinado, sempre presente. O poder também costuma ser muito macabro
para quem nele pretende deitar-se até à eternidade. E depois desse apogeu
descem-se todos os degraus da baixeza, como o navio que quando independente
navegava sempre para bombordo, agora perigosamente adernado navega para
estibordo. Este é o método escolhido do suicídio governativo. É este navio carregado
de fantasmas que ainda lhe chamam independência. E os fora-da-lei inundam-nos
de decretos judiciários que nunca cumprem. Então, para quê a governação? E com
o crime generalizado e não sancionado, revela bom gosto quem implanta este actual
folclore da Somália. No fundo fingimos que existimos.
- Formulamos: Ab
hoc et ab hac, que significa: por aqui e por
ali : a torto
e a direito. Vamos no seguro,
seguramos, lavamos as torneiras e
pulpitamos que as fontes governamentais purificaram-se… para
que Dat
veniam corvis, vexat censura columbas, que traduzido diz:
A censura
poupa os corvos e persegue as pombas.
- Os templos
das memórias aquiescem mudos, soçobraremos sem
mudança? Que as seitas
cozinharam no pão do espírito?
- Claro! É o apanágio das seitas
religiosas que vagueiam de noite como os
gatos. Um tolo disfarçado de lobo visionário cunha um culto qualquer, enche os bolsos e vira
empresário. O aproveitar
da religião é sucesso
para toda a vida, sabe porquê?
- Faz render
o peixe!
- E livre de impostos.
- Sei que daria boa
sacerdotisa, mas não
me agrada.
- Na Veni, Vidi, Vici, há lugar para si, aceita?
- Não!
- Prefere morrer
de fome na velhice?
- Não
tenho coragem para enganar pessoas.
Afinal não existe nenhuma diferença entre as igrejas e os políticos.
- Lwena, espoliada das noites e dos casebres… tanta demanda, tanto tempo perdido em
vão à procura
dele…
- Dele?!...
- Sim! Sim! Do dinheiro, não é possível existir religião sem dinheiro. A riqueza monetária é a
demanda do nosso Santo Graal. Por isso mesmo não aceitamos nem nunca ousaremos
qualquer mudança nos nossos ritos. Nunca mudamos senão…
- Aparentemente
mudam, mas na verdade
não. Inventam-se constantemente
novas tecnologias
que dizem ser
apropriadas para o humano.
Curiosamente quanto
mais sofisticadas são, a miséria e a fome acompanham-nas. Fico com
a certeza que
nunca vi tanta
escravidão, tantas mortes
silenciosas como hoje
em
dia. Se não houver mudanças, os esqueletos
futuros serão
arquivados nas enciclopédias de outras civilizações. Serão
encontrados, estudados, como uma espécie desconhecida
que passou pela
Terra. Os investigadores
dos tempos futuros
trabalharão muito para
descobrir, explicar, o enigma
deste fenómeno humano.
Ouvi o coro transparente de vozes
infantis ensaiarem um cântico
de louvor a Deus.
Um piano
acompanhava-as. Vozes tranquilizantes no
angelical Paraíso,
alento para almas destroçadas. Magnificat para
penetrar o espírito
deificado. O Bispo do Imobiliário deixou-me.
Foi a cantarolar, a sorrir
como se fosse o homem
mais feliz
deste mundo. Juntou-se às crianças, afagou-as, abraçou-as, beijou-as, nublou-se
de branco como
no reino dos céus.
- Mentor…
quanto mais me queimo no fogo das religiões, mais
palhaça fico. Ah!.. se o perfume dos seus
mortos queimados na impura aflição dessa religião saturasse as nossas consciências… mas as palavras crucificadas movem-se como o vento do deserto,
sem ramagens para o acolher.
- Os possuídos pelo dinheiro constitucional não ganho ainda dão as cartas,
jogam, fazem batota e nunca perdem. Os sem terra jogam na carta
inconstitucional e perdem sempre.
- Sim, é a constituição da boa vida.
- É como um vírus
de nível quatro
que quando ataca, e está prestes a dizimar a população,
pára porque não
sobrevive sem portador.
As igrejas são um vírus desse nível
porque lutam para que
os fiéis esfomeados não sucumbam. Sem essa mão-de-obra extinguem-se. Mas, as seitas
religiosas adulteram, não panificam a religião. Inundam nos
pães pobres de Cristo banalidades supersticiosas… poluição
religiosa. Estes Estados são pessoas de
bem nos píncaros
do desenvolvimento científico.
Entretanto, legalizam seitas religiosas que
atentam a dignidade humana,
a mais-valia da fome.
- Resta a religião natural
do bombeiro abnegado que até falece para salvar o próximo. Os vivos permanecem, mas a memória
dos bombeiros mortos
não.
Dos largos anos do poder executivo ao reboliço do povo,
do chover no molhado,
vêm vivas incrementadas nos baldes com águas das lavagens das roupas
e detritos das cozinhas.
De atalaia, as militantes
reincidentes continuam o despejo dos recipientes.
Com técnica
militante rudimentar
mas funcional,
promovem chuva ácida
para arejar o ambiente. Ainda
não aderiram aos comités de
especialidade, ratificaram convenções locais sobre destruição presente. Sem princípios,
meios, prestam os fins
Um carro
apresta-se para interiorizar
uma grávida, a amiga dela despede-se a cantar vitória:
- Faz boa viagem,
não te
esqueças, quando voltares
traz-me as roupas da moda.
- Querida, tens
que esperar aí uns quatro
meses.
É neste estado interessante que as Politburo
endinheiradas viajam para Olísipo, e lá rebentam,
retornam. Não desejam que os filhos
nasçam em Jingola, preferem-nos nacionais estrangeirados.
Como formigas
obrigadas a desviarem-se dos obstáculos
democráticos incipientes, as zungueiras flúem no trânsito
popular ineficiente.
As zungueiras são pobres
clientes desta democracia ainda
impopular. Desafortunadas, a ela não dão crédito e devido a isso não recebem créditos. Esta rudimentar democracia é dos clientes Politburo VIP afortunados,
com créditos.
A democracia que aspergem legítima com
actos ilegítimos, contrariando o direito de sobrevivência.
Diviso a anunciação de sol a sol, da fuga desesperada do formigal mulherio. Os filhotes corcovam nos
costados maternais. Os alguidares movem-se como
navio agitado
pela procela.
As sem-pão param a prudente distância, a ver de que lado sopra o vento. Sem peitos para correrem, o imprevisto
confronta-as, tentam fazer marcha-atrás, mas estão
cercadas. Cacarejam, como galinhas acossadas por
galo de briga.
Como habitualmente
em grande
desaire, gritam como
só mulher
Jingola sabe:
- Os Ufolos!!! Os Ufolos!!! (Órfãos)
Quatro deles expeditos
travam-se numa zungueira, dizem-lhe para repor o alguidar cheio de bolinhos como
das outras vezes, no chão. Servem-se à vontade até o alguidar esvaziar e desandam à cata
de novas presas.
Algumas férteis em liderança
desnotaram-se e conseguiram ludibriá-los. Depois
da razia, unem-se e pedem contas à miséria.
Os próximos dias
serão acrescidos à lei
marcial da fome.
De semblante mais
pesaroso e alguidares
mais leves
preparam-se para cavar. Para revender e comer
terão que convencer
financiadores o que não
será fácil: «você
está maluca da cabeça,
você ainda não pagou o que
deve, e queres mais?»
elas defender-se-ão: «empresta só amiguinha, vou pagando aos poucos.» O ultimato: «não
tenho mais dinheiro,
porra!»
Esta selva humana
é a mais traiçoeira,
a mais perigosa, nela, vale-tudo. Cada
segundo um
perigo espreita.
Novos perigos,
novas maldades.
Mais predadores
atentos para
saltarem, golpearem. Mabecos de uniforme
plantam-se no areal, recitam bestial. Novo pânico, aflição
renovada:
- São
os gatunos Politburo!
- Manas, vamos bazar!
- Como
então!? Nos
esvaziaram!
As escapadas do
saque anterior armam disfarce. O convencimento não
dá, os polícias Politburo são muito vivos,
cangam as precisas escapadas da
marabunta. Contestam, sabem que em vão:
- Moxi, os Ufolos. Iadi, vocês… vão
naqueles dos armazéns!
- Absolutamente!
Patrulhámos por lá,
ficámos negativos. Ganhamos mal, mesmo assim não nos pagam. A fome
esforça-nos à ração de combate.
- Vão
no salu do Politburo!
- Eh
pá! Onde
há fome… salve-se quem
puder!
- Jiboiados, salafrários, ordinários
de merda!
- Cala
a boca, te
ensacamos na prisão correccional.
- É o quê?
Com a minha
bebé?
- Absolutamente.
Os alegres samurais da lei
ajeitam-se fotogénicos para a corrida.
O chefe dá ordem.
A chaparia, as rodas, assobiam arenosas.
Lá vão
de olhos na divisão
dos despojos. As malfadadas restam-se no
silêncio das maldições,
enquanto as rodas
da maldade vão
longe da vista,
longe dos corações. Os lamentos ocos
repetem-se:
- Levanto ferro às quatro
da manhã sem
descontinuar, andar
na lua da nevoenta luta
continua. Demos-lhes o poder, proibiram-nos ler, ao longe sem comer.
- Amiguinha, é a filosofia
anti-humanista dos novos-ricos da história
da carochinha, e das suas endechas:
«Por excelência
ao levitar pela
manhã decido: qual
vou lixar hoje?
Se não o fizer, desconsideram-me,
perdem-me o respeito, não sou chefe. Um príncipe real a toda a força, deve estrangular a
vida de outrem.
Salutar, saboroso
é destruir o destino dos que aspiram viver. Para obter bons
negócios é importante
aniquilar os amigos».
A minha longa jornada
sucedia cuidada. Moscas,
lixo, poças
de águas imundas, buracos
e assaltantes Ufolos à espreita. A Rádio Oráculo actualiza o numeral colérico:
«Quarenta mil infectados e mil e quinhentos mortos.»
Apercebi-me, afastei-me,
segurei-me. Vi alguém assomar-se num terceiro andar, e zás! O conteúdo dum alguidar é atirado. Que assomo! É água com restos de peixe.
Remiro para cima,
vejo o deserto.
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