Esta Lwena, é muito
chata. Passa
o tempo a pedir-me que
lhe explique tudo,
mas por
vezes confesso que
já não
tenho paciência.
- Ó sua parva…
- Muito obrigado…
- Posso falar ou não, sua parvalhona!
- Fale, só você é que fala, ninguém
tem o direito de falar,
você é que
sabe tudo.
- Porra! Nunca ouviste esse
anúncio do stay free?
- Não!
Lembrei-me que ela não perde, nem tem tempo para ouvir rádio, e a televisão
dá-lhe sono. A ela e a todos nós.
- Lwena, isso
do stay free é um anúncio
de pensos higiénicos para pores
na tua rachinha.
- Só isso? Pensei que
fosse outra coisa.
- Sua estúpida deixa-me falar... o stay free é inglês, significa, fica livre,
é um anúncio
que anda
por aí.
Diz que protege bem
a tua rachinha quando estás com a menstruação, e é
demais… protege-te a quatro dimensões. As partes
das perninhas, a rachinha e o grelinho. Quer
dizer, que mesmo que saia o sangue todo da tua rachinha, o stay free te
protege, sentes-te muito livre. Ah! Ah! Ah!
- Ai é?! Eles que vão para a puta que os
pariu, não preciso
disso para nada.
O que eles
querem é roubar o nosso dinheiro. Isso é para as mulheres dos ministros,
dos novos-ricos, eu não
sou mulher para
essas coisas de luxo.
- Sim tens razão. Da maneira
que fazem a gestão, será impossível viver neste reino.
Em Samza
Pombo, inaugurou-se uma
escola primária com
duas salas. Custou doze milhões de kwanzas. Nota-se de imediato
que o custo
daria para duas escolas.
- Lwena!!!
- Diga! Porra… você é
chato, o que é agora?
- Vamos embora… se até
o Etona quer mudar de nacionalidade.
- Quem é esse tona?!!
- Já não te
expliquei?! É aquele artista plástico
angolano muito admirado no estrangeiro e
que aqui
não lhe
dão nenhum valor.
- Será que ele é mesmo angolano?
duvido.
- Olha Lwena,
vai à merda.
- Obrigado.
Há meses que
espero a ajuda da minha
filha que
está em
Portugal. Já lhe disse para nos apoiar, para
nos aguentarmos mais uns dias. Não
compreendo o abandono dela. Até nos dias do meu
aniversário nem uma simples
mensagem. Deve ser
por causa dos
ensinamentos democráticos
que aprendeu. Quem
está em Angola que se lixe. Ao menos que democraticamente lhe
ensinassem que os pais
não são
como os lideres políticos.
Hoje estão no poder,
amanhã não.
Os pais são
os únicos que
permanecem eternamente no poder.
Que civilização, que torpor edificamos!
Os filhos são
como os pássaros.
Os pais ensinam-nos a voar,
saem do ninho e esquecem-nos para sempre. Como pai só me resta, na dor do meu coração pensar: olha, minha querida
Lwena, hoje à noite
vamos atacar a aldeia,
porque as leoas estão a dormir.
O Cliente português não paga. Não pagam
a ninguém. E o que
pagam, dizem que é uma gasosa para distrair,
para entreter o pessoal. Sem lei, a lei é
deles, são eles. Vamos vivendo à espera que alguém se
lembre que isto
é um verdadeiro
país, não
é um reino. Entretidos com o aumento do preço do petróleo, que não pára de
subir, fazem as suas
contas. Quanto
cabe a cada um.
Pensam em comprar
uma ilha e irem para lá. E nós que nos
lixemos. Tiram-nos a luz, a água, o direito
à alimentação. Tudo
para eles, nada para nós. Não temos acesso a umas sobras.
Isto é digno
de um filme
de ficção científica,
daqueles onde surge um
monstro que
come todos os seres
humanos.
A Lwena caiu nas escadas.
Ficou meia hora
sentada. Caiu tudo no chão. As meninas do quinto
andar é que lhe ajudaram a apanhar as coisas que se
espalharam nos degraus.
Estou esclarecido. O colonialismo branco e este negro são demasiado
monstruosos.
Na Rádio
Nacional o locutor afina a voz, cria impacto. Trata-se de uma grande
informação que
aí vêm. Mais
uma grande vitória
para o país
anuncia-se. «As alfândegas conseguiram arrecadar em receitas noventa e nove
milhões de dólares até
agora. A maior
de sempre». Que pobre espírito informativo. Será que
estamos em 2005?... Não
me parece. Retrocedemos no tempo, e disso ninguém
parece dar-se conta. Não
é assim que
se informa. Está bem, não
é necessário lembrar que deambulamos num reino de analfabetos.
Mas nem
todos o somos. Vale
lembrar que
esta notícia deveria ser
dada assim:
com as receitas,
menos as despesas,
obtivemos um lucro
de… mas a contabilidade não existe, é de fingir. Convém acrescentar
que a idiotice
é igual ou
superior ao valor
das receitas, quando
apenas se conhecem estas. Os que roubam o nosso
dinheiro para os bancos da Europa estão aterrorizados. Pensavam que lá estavam seguros, mas
estão muito inseguros.
Não dormem bem.
Acordam com pesadelos
a ver a Al-Qaeda explodir-lhes o dinheiro.
Um arquitecto comentou que
o peso da água
armazenada nos prédios pode ocasionar-lhes
o desabamento a qualquer
momento. Nos
terraços e especialmente
no subsolo é ainda
mais perigoso devido
às fugas que
um grande
tanque subterrâneo
pode causar. Lembraram-se disto passados trinta anos.
É uma governação muito cuidadosa.
Dois bebés abandonados. Um foi encontrado morto por um “mineiro que
escavava” nos contentores à procura de comida.
Viu o saco e pensou: «Hoje vou comer boa carne». O
outro, a mãe deixou-o encostado algures à espera que alguém o
apanhasse para lhe
dar comida.
As mães preferem abandonar
assim os seus
bebés, do que vê-los a morrerem, a
padecerem de fome. Este reino está
perdido e jamais se encontrará.
Os jovens finalmente decidiram escolher
o caminho que
acham ser o mais
certo, o mais
curto para o suicídio colectivo. Não,
não são
os da rua. São os que têm pais e família
auto-sustentada. Normalmente reúnem-se em grupos de
doze. O que recebe o vencimento no fim
do mês, quando
lhes pagam, manda
comprar seis
caixas de cerveja.
Bebem até desmaiarem. O jovem continua assim
até acabar o dinheiro. Depois é a vez do outro e do outro. Até
que a vida
lhes diga adeus.
Esperam calmamente pela
morte. Já não têm vontade
de viver. Cadáveres
que fazem o possível
por se manterem de pé.
Pais e mães
perderam-lhes a vontade, a noção do diálogo.
Também estão coniventes. Deram-lhes a lição de que não vale a pena viver. Dizem que as jovens não
servem para namorar.
Existe o receio da Sida.
Elas, talvez
sirvam os piores exemplos.
Não oferecem garantias
de estabilidade. Querem divertir-se de qualquer maneira,
não com
um, mas
com muitos.
A curto prazo
para continuarem os destinos
do país, teremos que importar
jovens. Estes
já não
servem. Talvez possam ser
utilizados como provedores
de bebidas.
CAPÍTULO XXIII
O EXÍLIO
«O ministro da Comunicação Social, Manuel Rabelais, disse um dia destes, penso que no Sumbe, que os jornalistas devem estar preparados para transmitirem mensagens que fortaleçam a democracia em Angola e consolidem a paz e unidade nacional.» in altohama.blogspot.com
La Padep
escreveu uma carta ao seu amor, à sua muito querida amada. Não tem Internet porque ainda é um privilégio dos
nobres petrolíferos. A sua amada princesa Kituta desterraram-na para
o reino de Olísipo. Segue o texto da sua bonita carta:
O
Juízo Final
E disse o Senhor Eterno de Angola:
Corromperei a face de Angola, os
terrenos, os casebres, tudo o que for residência, até mesmo as das tocas de
animais. Espoliaremos impunemente. Para isso fomos eleitos. E nas próximas
eleições bateremos o recorde mundial da roubalheira. Manual da Destruição 6,7
Meu império
das sagradas pétalas celestiais. Guarda
a tua rosa vermelha que
proximamente a minha abelha a fecundará. Olha,
apresento-te as minhas teses, melhor, as
minhas reflexões: Muitos nobres comparam
os problemas do reino
assim: que
os outros países demoraram muito tempo a reconstruírem-se depois
da guerra. Isto
é muito cómico, senão
vejamos; tiveram ajuda estrangeira, trabalharam de noite
e de dia. Tinham técnicos,
boas universidades, controlo dos bens financeiros. Falavam muito
pouco e trabalhavam muito. Não tinham as riquezas
que o nosso
reino tem. Não
esbanjavam os bens. De qualquer modo comparar um reino com outro, para justificar
o andar para trás é um tremendo erro. De notar que naquele tempo ainda não se falava na Sida. Na prática
não existe um
reino igual
a outro. Com
a ganância do dinheiro
ninguém pensa
no dia de amanhã.
Democracias diabólicas que fazem explodir bombas por todo o mundo para imporem os reinos
da fome. Democracias
actuais com as mentes
no século XIX. Os tempos
dos Impérios acabaram. Por incrível que
pareça o império Europeu
e dos EUA findam graças à globalização
da informação. Não
percebem nada de África, dos Árabes e
dos Chineses. É bom viver
na riqueza ocidental,
desfrutando o oásis Árabe
e Africano da fome. Num mundo de esfomeados a violência
é a única coisa
que lhes
resta. Suspeito
que o golpe
militar no reino
de Marrocos foi preparado pelo
Ocidente.
Nem conseguimos uma pequena indústria
doméstica, por
exemplo de massa
de tomate enlatado, porque
temos que comprar
um gerador,
mais combustível,
espaço, lubrificantes e um segurança. O preço
de venda fica muito
alto. É mais
fácil importar e lá
se vão os postos
de trabalho.
E criaram modernos campos de
concentração a que chamam cidades. Pagam a malfeitores internacionais para
publicitarem que este reino é a maravilha africana. Onde todos somos ricos.
Onde há divisão dos cheiros do petróleo pela população. Sim… só cheiros de uma
atroz fome que aumenta diariamente. Um reino que depende em absoluto de uma
única coisa: o desastre petrolífero. Manual da Destruição 18,19
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