O relacionamento familiar provoca alguns ou
imensos efeitos
biológicos no nosso corpo,
na nossa saúde.
Incluindo as relações com os vizinhos.
Estes relacionamentos são importantes
para a nossa saúde. Reconsiderem sempre
antes de efectuarem qualquer
invectiva. A complexidade da alma humana
reside no enigma da alma
feminina. Uma mulher
é sempre uma incógnita,
um ser desconhecido.
Se fosse possível
não dormir, não dormiria. Escreveria de noite
e de dia.
Creio que muitos anos depois consegui finalmente
descodificar as simples palavras de Albert Camus: «Não escreverias tanto sobre a solidão se dela soubesses extrair
o máximo» Sim! Não devemos deixar-nos
subjugar pelo tempo da solidão, pois que isso nos conduz ao encantamento
do estrangeiro na sua
pátria. Estrangeiros
no nosso lar.
Acabando por descobrir
que a beleza
das nossas Negras é apenas estrangeira
na sua pátria,
no seu Continente.
Uma angolana sem pátria mas contudo
globalizada. Já não
é negra. A beleza
da negra acabaram-na para sempre. O que dela resta
está nos ínfimos
circuitos dos chips
da informação que inventaram para a manobrarem, ludibriarem. E tudo se perde,
se extingue, jamais volta. Acredito que a realidade
da afirmação de Albert Camus é um pedido de revolta
eterna contra
todos os que
pretendem que sejamos estrangeiros na nossa
própria terra.
Quando aflitivos chamaram-me
muitas vezes de patriota. Na noite da independência protegi
as costas de Agostinho Neto. Continuei a arriscar
a minha vida
por estes
sacanas. Depois chamaram-me igual número de
vezes… colono. Como podemos confiar nesta gente
que ainda nos governa?!
Mais uma empresa
com autofinanciamento. Há quatro meses que
não pagam aos trabalhadores.
Onde estão os sindicatos?
Já não
existem, o poder comprou-os.
Olho para a vendedora de pão com chouriço:
habitualmente por volta
das treze horas a jovem senta-se no parapeito cimentado do jardim
descuidado da Angop, Angola Press. À sua direita
fica a Direcção Provincial do Ministério da Juventude e Desportos. Tirou o alguidar
de plástico amarelo
da cabeça e poisou-o à sua frente.
Retirou de um braço
o pequeno balde
plástico azul que
serve para acomodar alguns objectos do seu
bebé que carrega nas costas. É bonita,
deve ter aí
uns dezassete anos. O penteado deixa cair intencionalmente alguns
restos de cabelo
no seu rosto.
Tem a cor do sol
amarelo do fim
dos dias que
nos restam deste eterno poder faraónico.
O alguidar abarrota de pão, parece que não
conseguiu vender nada.
Aparecem três clientes
das escolas. Serve o primeiro.
O bebé chora, amorosamente encosta-lhe a chupeta do seu mamilo. O cliente entrega-lhe o dinheiro.
Inicia uma dança para
embalar o bebé. Serve os clientes
que restam. Vem mais
três, mais
um, mais
outro. Cada
vez que
recebe o dinheiro vira-se de costas
e dança, agitando o seu
magro traseiro enquanto olha enlevada para o seu bebé.
Vai-lhe dando palmadinhas no delicado
rabinho para exprimir a sua felicidade
e a pensar alto: «Filhinho, hoje não passa fome!»
O alguidar está quase
vazio. Ela
tira um
pão, e portando-se como
um cliente
come também o seu almoço.
O negócio hoje
deu para comer. Em
homenagem à sua beleza, um jovem
oferece-lhe uma gasosa. Ela bebe e come tão
contente enquanto dança imaginando que está na festa
da eleição da Miss Angola.
O general passou
por aqui fardado. Parece que está com medo. Tinha um segurança militar colocado num canto estratégico,
com a pistola
pronta para ser sacada. Quatro senhores
brancos teciam observações sobre as obras. Olhámo-nos durante
uns momentos. Todos
me olharam, apontaram os dedos na
direcção do nosso prédio.
O general continuou a olhar-me de rosto duro. Deu
uma grande gargalhada
e exclamou: «Oh! Essa merda aí?!» Bajuladores, todos o acompanharam no riso. Depois
foram-se embora. Preocupado
contei tudo à Lwena, e acrescentei.
- Vamos embora
daqui, vão-nos roubar a casa!
Ela disparatou.
- Vá você se quiser. Vou arranjar uma casa de capim. Não se
esqueça do seu filho.
- O almirante já me disse que ele é muito perigoso.
- Oh! Ele
está com Sida, costuma ir
em tratamento
na África do Sul. As moças aqui
da área são
todas dele. Lembras-te daquela vizinha,
a Mitó?
- Aquela ali do
outro prédio
à esquerda?
- Sim, essa mesma.
Está com Sida… Vai-se casar
e o marido não
sabe. Vai apanhar Sida… dá-me aí
esses pratos
para lavar.
- Queres-me obrigar a viver na miséria, viver num país assim é viver? Se falamos demais corremos o risco
de sermos assassinados. Não tem nenhum interesse
viver nesta merda. Que
porcaria de vida
esta.
- Se quiser ir embora vá, ninguém
te obriga a ficar
aqui.
- Mas para onde o marido vai, a esposa
acompanha-o, não é sua parva?!
- Faça como
quiser!
- É muito difícil viver com esta população. Gostam de viver
na miséria, na escravidão.
Não sabes que
estás outra vez
colonizada? E que este colonialismo é pior que o
outro?!
- Ah! Quero lá saber disso!
O meu filho alerta-me:
- Pai… deixa eles roubarem. Se fazes queixa
ao ministro das Finanças vão-te matar.
- Mas ninguém se revolta
porquê?! Grandes burros!
Mataram o Savimbi, agora não têm ninguém
para se desculparem. Nem
falam nada sobre
os assassinatos selectivos…
- Pai, se continuares assim
também te
vão matar.
- Sim. Difícil é andar sob o aguçado fio
desta catana. Dum lado o inferno, do outro
o purgatório. É esta a Nova Vida.
Continuam a enviar-nos o que importamos… tudo… cebola,
alhos, batata,
limão, tudo
envelhecido. Carne que
depois de frita,
cozida ou
assada dez
minutos depois
não se consegue comer.
São as sobras
da democracia deles. E ainda rematam:
- Não se
preocupem, isso é para
os pretos, eles
comem qualquer merda. Estão habituados a
passarem fome.
Carlos Contreiras do PRA, Partido Republicano
Angolano, afirmou que as fronteiras do Norte e do Sul estão a descoberto.
O país está a ser
invadido. Significa que Angola será
dominada lentamente por
outros povos estrangeiros. O país não
consegue controlar as fronteiras, porque militares e
polícias abandonados cobram qualquer coisa para sobreviverem. Depois cantarão que
o país está a ser
novamente invadido, apelarão outra vez ao falso patriotismo da Pátria ameaçada.
Não resultará porque
o povo perdeu a identidade
cultural. Evoluíram, são nómadas. Trinta anos
depois sempre
com as mesmas tiradas: Brevemente
teremos em Angola
uma fábrica para
suprir as carências
dos mais necessitados. A curto prazo
será inaugurado um empreendimento
que há muito
se esperava. A médio prazo, Angola não
terá mais que
importar medicamentos
porque será construída uma das fábricas mais
modernas de África. O financiamento está devidamente
assegurado. Para nos
informar disso temos na Rádio
Nacional…
No próximo ano com
financiamento garantido de cerca de 50 milhões de dólares, desconhecem sempre os montantes
exactos, teremos o abastecimento de água
garantido. A energia eléctrica com os investimentos em curso sobrará para
alimentar outras áreas. Nos próximos anos Angola, com
grandes financiamentos conseguidos através da Anip – Agência
Nacional do Investimento
Privado, acabará com a fome no país. Estes investimentos
contemplarão numa primeira fase as populações mais carentes. A
notícia correcta seria: A Filda, Feira
Industrial de Luanda, conseguiu este ano um número recorde
de empresas portuguesas que expõem nesta feira
os produtos e os seus
serviços. São
cento e quinze empresas
que dão tudo por
tudo para exportarem a sua miséria para
Angola. Depois
exportam os lucros para
o seu país.
Para financiarem os seus
projectos e nós aqui
a passarmos fome.
Uma sobrinha quando lhe falo nestas coisas
canta-me: Estou bem vestida, bem despida estou. Graças ao Eterno, que me escravizou.
A Lwena foi ao mercado
do Roque Santeiro comprar bolachas,
rebuçados, doces,
cigarros para que
não morramos de fome.
Chegou muito cansada, arrasada:
- Ai meu Deus!
Os bandidos queriam roubar-me tudo. São tantos, estão por
todo o lado.
É impossível, eles
querem roubar dinheiro e se nos
distraímos roubam-nos tudo.
- Está como tu gostas, sua
colonizada!
- Sim, muito obrigado!
- LWENA!!!!!
- Diga!!!
- Se gostas de estar nesta
merda aguenta.
- Já estou
habituada.
- Desculpa, mas já não tenho paciência,
estou cansado. Já
não consigo
aguentar esta merda. Quero ir-me embora.
- Pode ir.
- Ó Lwena!
- Diga!
- Estamos a ser
exterminados e ninguém ousa opor-se a toda esta merda?!
- Se você acha
que é muito
corajoso, então vá lutar
com eles!
- Viva a vossa escravidão sua colonizada de merda!
- Muito
obrigado!
- Tu queres é um
Stay free no meio das pernas.
- Pode-me explicar que merda é essa?
- Sua parva, sua burra, não sabe
nada?!
- Já sei que nós somos
todas burras, ignorantes,
parvas. Você que
sabe tudo, é um
grande cientista,
vá, explique-me!
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