E criaram duas classes sociais: a
dos petrolíferos e a dos petrofamintos. Uma classe da nobreza petrolífera com
tudo, e a outra sem nada, apenas com a garantia de graves convulsões sociais.
Este cancro social cria rios de metástases incuráveis numa sociedade dominada
por fósseis humanos. E a água está em primeiro lugar no pódio da devastação,
escassa. São muitos prédios, torres, condomínios neste Dubai angolano, matas de
obras para regar. E a água vai secar, vai-nos abandonar.
Invocando os sacrifícios humanos dos apelidados selvagens, iniciaram a
matança de milhares, de milhões. Sem comparação possível com os rituais dos
corpos que eram oferecidos aos deuses das civilizações destruídas. Os
civilizadores brancos queriam apenas roubar e tudo lhes servia e serve de
pretexto. Exterminaram civilizações que desapareceram da História, restando
alguns exemplares que mal se lembram do que se passou com os seus antepassados.
Foi assim com os Maias, Astecas, Incas, Hindus, Islamitas, Índios dos Estados
Unidos da América, Índios do Brasil e os Negros. Aqui é uma anedota
extraordinária: a civilização branca defendia-se que esta gente andava nua.
Vestiam qualquer coisa para se taparem. Não sabiam o que era vestuário, por
isso diziam que eram muito primitivos. Mas os seus olhos lançavam faíscas de
lascívia para os seios nus e para os corpos das nativas. Eles, e especialmente
elas, as brancas, deram nas vistas que o calor era demais e ofereceram os seus
corpos quase desnudos, imitando as selvagens de corpo escuro, moreno, tisnado,
sensual, apetitoso da cor misteriosa do luar africano. Foram compensados,
habilmente ludibriados com a liberdade da carta de alforria. A questão é: pode
um escravo ser livre? Nunca! Passa de uma escravidão para outra. O escravo é
liberto mas não se liberta, não consegue sobreviver porque não lhe deram acesso
a nenhuma instrução, a nenhuma profissão. Ele deveria reivindicar esse
privilégio. Mas como, se ele não sabe ler, não sabe escrever. Nesta condição,
libertar é neo-escravizar. Foi isto que se passou com as independências em
África. Oportunistas africanos educados na civilização branca, lutaram pela
independência, prometeram bem-estar aos seus povos, correram com os
colonizadores, mais tarde lembraram-se que os brancos antes de serem
escorraçados, deveriam ficar algum tempo para deixarem aos negros as profissões
necessárias para manterem os países na normalidade. De qualquer modo a
civilização branca apoiou esse abandono. Sabiam com sarcasmo que uma inapta
multidão de escravos satisfaria a continuação dos seus desejos. Na
administração colonial caíam algumas migalhas, no neocolonialismo essa rubrica
deixou de existir. Substituiu-se por outra: o lucro do despejo e da espoliação
dos casebres. É mais fácil, não dá trabalho nem chatices explorar. É por isso
que se diz que a fome não é branca, é negra. Ressoa-me na memória a homilia sacerdotal do estigma
dos três cês, a perversão social dos desejos fáceis do feminino: casa, carro e
conta bancária.
As janelas das ondas do mar abriram-se de par em par. Alagaram a
História sagrada do mar alto, andam fora de mim. Vivo num mar sem rosas. A
areia molha-se, remolha-se, recolhe-se, rebola-se. Voltar ao que sempre foi,
não ao que é. Caminho para… desço uma escada sem fim Outra onda grande cresceu,
é outro maremoto. Em Gandhi a inteligência prevaleceu, e venceu.
A cólera impacientava-se, queria escoar-se,
faltava-lhe liquidez. O céu auxiliou-a, enviou-lhe chuva hip-hop. Já vitimou
mais de três mil. Contaminou, facilmente contaminará.
Novos-ricos Politburo de má nota desbastam nas
andanças das festanças, caixas desapossadas, avolumadas com notas de cem
dólares. Seitas religiosas mandam lançar no mar os espíritos falecidos. Muitas
almas errantes pairam sob as águas. Dizem que não se pode ir para essas praias
porque as almas perdidas nos espantam.
Os Politburo quando se dirigem para os seus carros, ou
deles saem, fazem-no com imensa cautela. Espreitam para todo o lado, com receio
que os Órfãos os ataquem. Os Politburo têm sempre seguranças Jingola armados
que os protegem.
Pelo rumo que as coisas tomam, caminham, com os líderes que
governam o mundo, é mais uma civilização, esta dos tempos globais que
desaparece. É notável o ostracismo dos intelectuais Jingola, parecem dementes,
coniventes. Onde estão os seus cérebros? Provavelmente perdidos nas florestas e
nos canteiros de betão. Sim, eles deixaram de pensar, porque já não têm
bosques, árvores, falta-lhes o oxigénio purificador que alimenta o pensamento.
Preparei a minha tanga, o arco e flechas.
Não sei onde estou, o que sou,
acho que me perdi no tempo, ou o tempo perdeu-me. O que serei, o que será de
mim?! Vão-me plastificar na civilização
do saco de plástico. Jingola… onde qualquer gato-pingado aventureiro, é doutor,
engenheiro. Jingola dos ministros e vice-ministros. Onde há muitas vozes de
comando, desumaniza-se o mando. O culpado de tudo é o mar, fez as civilizações
soçobrar, colonizar. Escondeu-me o carvalho, o quetzal, e o Manitu.
Regozijou-me com Kalunga, mukeka, e missosso… Consolou-me com a Cruz…
neocolonizou-me.
Lwena sem casebre. Abandonada numa tenda (?) sem rua,
nua, espoliada algures no Golfo da Guiné. Perdi o encontro, o encanto milenar, o
silêncio, o ardor e o meu doce olhar. Já não consigo mais chorar.
Desencontro o luar do meu cabelo, no rio, dominado
pelo Senhor dos casebres. Onde jaz o silêncio das suas margens. Só, no luar das
noites não conseguirei mais amar. Adoro o silêncio das manhãs e a sonoridade
das folhas das plantas. A chuva escorre-me, sinto-me plantada num deserto, é
isto o que se vê por todo o lado. Este é o saldo da luta sem libertação da
opressão dos novos-ricos e da podridão destes ricos. Aguardo a deusa Kalunga
que ressurja do fundo das águas e alerte o génio dos jasmins dos casebres para
me transformar, perfumar. Todos os dias com e sem amanhãs, grito para os novos
colonizadores. Aguardo a espada vingadora! Libertadora!
Eis que aportam os navios já antes navegados Partiram
com novos degredados mas, regressaram da Ocidental civilização e outra vez me
descasebram. Vivia com as flores, com os jasmins amarelos, azuis, brilhantes,
imperadores, dos rios dos poetas, estrelas, verdes, vermelhos. Pedi ao Deus das
florestas que me navegasse num navio feito de jasmins. Que me fecundasse no seu
sémen num profundo jasminal. E pela manhã quando a lua despertar do seu sono
nocturno, encontrar-me-á a cantar E fará de mim uma estátua E apagará, não
deixará vestígios das sepulturas destes tiranos. Serei a sementeira do novo
amor que a minha Angola perdeu. Perdida, afundada nas multinacionais dos novos
senhores prediais. Regar-me-ei com as lágrimas do nosso povo infeliz. Sem amor
subjugado, espoliado, acorrentado, escravizado pelos filhos milionários do rei.
Serei santificada pelo génio dos enamorados na Angola
finalmente libertada. E as aves poisarão sempre no meu pólen e para sempre
serei abençoada. O perfume do meu pistilo imortalizar-se-á e nos próximos dias a
nossa liberdade será louvada. Estou outra vez na prisão à espera que me
libertem. Embarcaram-me num navio sem jasmins Mas mesmo assim perfumarei os
mares e neles para sempre gravarei o meu nome nas suas ondas. E no meu silêncio
eterno vingarei os desejos dos nossos passados e antepassados. No Universo
farei um templo para que os navegantes futuros me adorem e se lembrem mesmo num
momento fugaz que existi, amei… tentei mas não fui amada. Não adormecerei
profundamente durante um século, dois ou mais. Quando o endocolonialismo
globalizar, despertarei e os despedaçarei e lhes deixarei a minha fragrância
eterna. Renovarei o nosso sangue azul e extirparei as sepulturas bilionárias. E
nelas replantarei os aromas dos nossos corpos relvados, esverdeados, de pétalas
vegetados, depois de regados com uma tempestade divina. Esta nova semente
inundará o Universo. Serei, sereia da deusa Angola na Terra da dor renascida,
desfeita refém do palácio do rei não eleito de futuro tumultuoso. Livre e
independente do terrorismo bancário e imobiliário, vingarei o olhar inocente
das crianças mortas de fome, de doenças. Sem tectos, condenadas pelas
inclementes, palustres estações chuvosas. E os endocolonialistas nas janelas
nazis regozijam-se com a matança mas não se salvarão. E os seus milhões e
milhões de dólares recuperar-se-ão e as torres, os condomínios e os prédios que
nos roubaram também.
E as crianças sem sepulcros sonharão com as minhas
pétalas e haverá uma guerra infantil que arrasará os novos dementes, senhores,
falsos doutores. E quando os meus lábios beijarem as crianças, elas
ressuscitarão e transformar-se-ão em jasmins. E no navio do génio dos jasmins
transportar-se-ão para o meu reino. Edificarei a minha beleza nocturna na
história dos nossos céus e serei venerada Jasmim-da-noite. Pairarei na magia
das nossas montanhas e renovarei, libertarei os Caminhos da ditadura monárquica,
lá nos encontraremos. As feridas da nossa desgraça são como rochas infectadas
porque Angola renovou-se, continua óptimo refúgio para criminosos e
aventureiros, onde os destinos são fáceis de imaginar. Convém nunca esquecer: Estou
outra vez na prisão à espera que me libertem.
Pelos vistos jamais encontrarei o amor. Dançarei ao
som do vento apesar de abandonada, do meu paraíso afastada. Era abastada, agora
na miséria forçada das multinacionais e da FAMÍLIA real, estes desumanos são a
nossa perdição. Leves, fabricados sem peso como o desonesto pão.
Sou negra, porque as naus eram brancas. E de repente
tudo escureceu, enegreceu. Estou mal, mas continuo honrada porque rica de coerência e verticalidade.
Desterraram-me dos círculos presidenciais locais, mão-de-obra
insistente dos recados, dos costumes ocidentais. Escrava elegante, os
missionários dão-me boas lições nas missões, obediente, submissa a Deus,
temente. Sem consentir, tornaram-me escrava do Senhor, e serva dos novos
senhores da independência.
Outra vez… mas eles não descobriram
nada, obstruíram, destruíram tudo da cidade de Luanda. Que seria livre da
escravidão e do colonialismo, torpe mentira. Forçaram-me, mais uma escrava do
rei e da rainha.
Quando regressarei à minha liberdade?!
O Senhor dos Casebres desalojou-me,
espatifou-me, destroçou-me, espoliou-me. Como todos os seres inumanos é muito
imperfeito. Sempre na infinita espera da demora no tempo cinquentenário. Tantos
nobres na feitiçaria com o desejo de enriquecerem. Acabaram-se os gestos de
ternura na independência que me desespera. Esqueceram-me e ao meu filho no
longínquo abandonado, por promessas que nunca cumprem. Apenas as esperas das
incontáveis bichas. As filas humanas dos deportados de todos os dias para
conseguir algo. Que me espoliam todos os dias no desespero, sem independência
nunca me afirmarei como mulher.
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