quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Os Jasmins da Lwena (17) Nunca mudei a porta, o álcool é que a faz de muda.



Catástrofes?! Sim, realmente, catástrofes são o que não falta. O último exemplo é a fome devida à estiagem que afecta milhares e milhares de angolanos. E Angola não tem reservas alimentares. Só tem reservas dos nossos novos-ricos nos bancos dos Eldorados. E tem também a monumental catástrofe dos imensos milhares de desempregados devido ao fecho do mercado Roque Santeiro por motivos da especulação imobiliária. Catástrofes não vão faltar, não!
É da crise mundial! E os nossos novos-ricos dos nossos milhões de dólares espoliados justificam-se: é da crise mundial!

«O que pedimos a Deus é que Dê aos moçambicanos um coração mole» Dom Dinis Sengulane

«Nós não podemos dizer que quem está na rua são os agitadores, bandidos, e etc., porque seria uma falha de análise e eu como académico, não me envolvo neste tipo de facilitismo. Também estão nas ruas, os cidadãos que clamam por uma justiça social. Nós ouvimos os governantes a dizerem que a economia do país não está lá muito bem como nós esperávamos, naturalmente que a crise internacional também nos atingiu, o que contraria um pouco as mensagens que recebemos há um tempo atrás, que se dizia euforicamente que a crise não nos iria atingir.» Lourenço de Rosario, reitor da Apolitécnica de Moçambique

«E talvez, se for necessário, adoptar-se medidas económicas corajosas porque penso que as manifestações significam descontentamento e o país não pode caminhar descontente.» Brazão Mazula reitor do ISTEG, Moçambique

«Hoje, o rico, o corrupto, o pobre, e quem ganha honestamente compram ao mesmo preço.» Dra Alice Mabote, LDH, Moçambique
«A elite de hoje é pior que a do tempo colonial» Fernando Mazanga, Porta-voz da Renamo

«Estou extremamente preocupado devido a esta situação grave. Verifica-se uma ordem de ordem emocional e uma situação grave que pode ser vista de várias maneiras. Em primeiro lugar como um tributo de um cansaço social de muito tempo que se expressa de forma anárquica e com tendência para aumentar. Este tipo de problemas sociais que se geram de qualquer maneira pode ser a reflexão o que está a acontecer na África do Sul há bastantes dias. O que é necessário notar é que estão a se fazer disparos com balas reais, e assim a situação é triste e ter muito cuidado com o que se está a passar porque podem se tornar bem mais graves e complexas.» Carlos Serra, Sociólogo moçambicano.


Para vivermos em felicidade, temos que prescindir, acabar com o dinheiro. As sociedades humanas não podem continuar a existir… trabalhando à espera que uma moeda caia do céu. O mundo é nosso, não é de alguns. A areia está em todo o lado, e nós não. No entanto somos como ela, abundante, é por isso que não temos valor. Contudo ela aparece nos edifícios, fomos nós que a carregámos, e a eles não temos direitos. Somos, vivemos como as areias dos desertos. Somos um imenso mar de areia, soprados pelo vento, vamos para ali, para aqui, e assim permanecemos. Transformaram-nos em pó, com o destino, a missão única de aumentarmos os terrenos dos cemitérios que já não chegam, pois que a fome, as epidemias e pandemias, são a única liberdade que nos resta. Até os cemitérios dos que nos matam à fome são sublimes mausoléus, e nós quando a morte nos convida… os nossos familiares regateiam um pouco de terra… porque mesmo depois de mortos a ela não temos direito. Somos párias no além.
O característico perdurar sonoro inconfundível faz aparição. Aparenta motim, humana borrasca de borracho destoado. As chapas do casebre crepitam com a corrente eólica do etanol. Vão saltando dos gonzos ogivais pregados. A voz é rouca, indecisa:
- Este vizinho está sempre a mudar as chapas da porta! Juro-lhe que hei-de encontrá-la!
Mentor apreende-se.
- Nunca mudei a porta, o álcool é que a faz de muda.
O vizinho parece estar no labirinto a fugir do Minotauro. Desequilibra-se e aterra com a massa corporal na porta de entrada. A fragilidade do material obedece-lhe, e como um furacão recebe-se na mesa que tenta fugir-lhe, limitando-se a mudar de posição. Faz tremendo esforço para se levantar, as pernas não obedecem vitimadas pelo vendaval, e os destroços espraiam. Ulisses zomba-lhe:
- Se os pés pensassem, não suportariam a dor do chão.
Entretanto, o vizinho consegue equilibrar-se no chão com a ajuda da parede. Tenta mostrar, ludibriar a sobriedade, parecer que não está bêbado.
- Monitor… Mentor… és o único que visito aos tropeções!
Olha à sua volta, e vê os derrames do madeirame.
- Não venho só, trago-te alguns escombros… ruínas do nosso PIB. Estes lugares, estas ruas esburacadas enterram o trânsito democrático. A questão não é o ter, é o cinismo do ser. O navio do dilúvio da escravidão negreira está à deriva.
Mentor sente uma visão profética:
- Só falta acontecer um vulcão, um tremor de terra e um ciclone… bebes, e não cumpres as regras do trânsito. Sinal vermelho é para parar.
- Oiço e vejo tudo vermelho outra vez, já não suporto o cinismo dessa agressividade.
- Cada vez que me visitas deixas a casa em pantanas.
- Pantanas?!... Ah, … o pântano do poder não me deixa respirar. Trago o perfume dos jardins de Babilónia apagados… lembrados, do paganismo alcoólico.
- Embebes-te porquê?
- Os gatunos sem utilidade pública incendiaram-me o casebre. Antes, os esgotos e a água das condutas rebentadas reuniram-se, e foram arrastando os poucos alicerces que o casebre possuía. Fiquei apenas com o habitual, o que resta da minha cabeça. O governo Politburo é conivente, não vale a pena. Isto é para destruir. Não é por acaso que o álcool persegue, prefere a população. Creio que não sobreviveremos muito tempo. É como nos estádios de futebol, entrosados e acutilantes. Fome, doenças, epidemias, alcoolismo, droga, feitiçaria… que extinguem um povo a curto prazo. Na prática já não existem, só restam as suas sombras. Quem os governa, prepara-lhes a solução atípica final. Com palavreado perfumado, um cemitério apocalíptico espera-os, onde finalmente repousarão. É como a censura e o racismo… solidarizam-se sempre.
- O racismo mais violento é o preconceito intelectual… o crescimento económico esvai-se.
- O crescimento económico é um pai muito rico, um presidente eterno e com os filhos na afronta da fome.
- Sem livros não há desenvolvimento, não há emprego.
- Por acaso há universidades para desempregados? É que jogo sempre na equipa deles, meto muitos golos, e dizem-me que estou perdido. Não consigo jogar nessa equipa. Não pertenço à classe dos que recebem ordens superiores, porque significa que vivemos como inferiores. A minha Penélope já está velha, vende qualquer coisa para sobrevivermos. Os nossos dois filhos e a filha seguem a determinação do tintol. Sabes… em Jingola a única liberdade que nos resta é acariciar, rodar com os dedos copos com qualquer mistela que se beba. Entristece-me a certeza que nenhum letrado da nossa pena escreve sobre os nossos feitos gloriosos. Nós… sim… nós… gloriosos alcoólicos, temos muitas odisseias para viver, para quem as queira narrar. Muitos, infindáveis livros encher-se-iam... construiriam uma biblioteca do tamanho de uma grande cidade. O nosso dia-a-dia dá para escrever uma obra literária, onde o autor ganharia – de sombra e água fresca – o prémio Nobel da Literatura.
- Devaneios de um alcoólico não se levam em conta.
Reapreciou-se o tilintar alaudado do medieval garrafal. Era a vizinha que aproveitou para abastecer a circunstância atenuante. O ébrio com a mente adjudicada, afortunou-se, imaginou princesa com xanto, e devaneia-lhe:

Princesa do saracotear, cervejar
Deixaram os punhais Setembrinos e Novembrinos
enferrujar
As sementes dos teus olhos perderam-se
no triste adubo verde, sem livros
Estão sempre os teus olhos tristes
sem medida cautelar
És probabilidade, defunta sem choro, figura decorativa
As noites delongam-se, mordentes noite e dia
escravas, nas costas carregadas de garrafais crianças
Os teus lábios endureceram sem porvir
só de fora para fora, de fora para dentro não
A minha tristeza voa, só vê desolação,
na Nação
Tudo esbanjado pelo partido e não repartido
sem bater pés não andam, desandam
Está tudo entupido, carcomido
Tudo de fachada fechada, enregelada
A tristeza de contemplar poetas
de poesia engarrafada
Poemas de escravos independentes
na pátria dos poetas mortais
Sempre as mesmas vozes se levantam
cabisbaixas nas repetidas intenções

O ambiente lembrava navio alcoólico que perdeu o leme, balançado nas cristas das ondas. Ainda não atingira a profundidade abissal desejada. Como os relatórios do FMI, equações certas, políticas erradas.
- Divinos devaneios para quem sabe liquefazer-se. – Astuciou Ulisses.
Imagem: Aléxia Gamito

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