Catástrofes?!
Sim, realmente, catástrofes são o que não falta. O último exemplo é a fome
devida à estiagem que afecta milhares e milhares de angolanos. E Angola não tem
reservas alimentares. Só tem reservas dos nossos novos-ricos nos bancos dos
Eldorados. E tem também a monumental catástrofe dos imensos milhares de
desempregados devido ao fecho do mercado Roque Santeiro por motivos da
especulação imobiliária. Catástrofes não vão faltar, não!
É da crise
mundial! E os nossos novos-ricos dos nossos milhões de dólares espoliados
justificam-se: é da crise mundial!
«O que pedimos a Deus é que Dê aos moçambicanos um
coração mole» Dom Dinis Sengulane
«Nós não podemos dizer que quem está na rua são os
agitadores, bandidos, e etc., porque seria uma falha de análise e eu como
académico, não me envolvo neste tipo de facilitismo. Também estão nas ruas, os
cidadãos que clamam por uma justiça social. Nós ouvimos os governantes a
dizerem que a economia do país não está lá muito bem como nós esperávamos,
naturalmente que a crise internacional também nos atingiu, o que contraria um
pouco as mensagens que recebemos há um tempo atrás, que se dizia euforicamente
que a crise não nos iria atingir.» Lourenço de Rosario, reitor da Apolitécnica
de Moçambique
«E talvez, se for necessário, adoptar-se medidas
económicas corajosas porque penso que as manifestações significam
descontentamento e o país não pode caminhar descontente.» Brazão Mazula reitor
do ISTEG, Moçambique
«Hoje, o rico, o corrupto, o pobre, e quem ganha
honestamente compram ao mesmo preço.» Dra Alice Mabote, LDH, Moçambique
«A elite de hoje é pior que a do tempo colonial» Fernando
Mazanga, Porta-voz da Renamo
«Estou extremamente preocupado devido a esta situação
grave. Verifica-se uma ordem de ordem emocional e uma situação grave que pode
ser vista de várias maneiras. Em primeiro lugar como um tributo de um cansaço
social de muito tempo que se expressa de forma anárquica e com tendência para
aumentar. Este tipo de problemas sociais que se geram de qualquer maneira pode
ser a reflexão o que está a acontecer na África do Sul há bastantes dias. O que
é necessário notar é que estão a se fazer disparos com balas reais, e assim a
situação é triste e ter muito cuidado com o que se está a passar porque podem
se tornar bem mais graves e complexas.» Carlos Serra, Sociólogo moçambicano.
Para vivermos em
felicidade, temos que
prescindir, acabar com o dinheiro. As sociedades humanas não
podem continuar a existir…
trabalhando à espera que
uma moeda caia do céu.
O mundo é nosso,
não é de alguns.
A areia está em
todo o lado,
e nós não.
No entanto somos como
ela, abundante,
é por isso
que não
temos valor. Contudo
ela aparece nos
edifícios, fomos nós
que a carregámos, e a eles não temos direitos. Somos, vivemos como
as areias dos desertos.
Somos um imenso
mar de areia,
soprados pelo vento,
vamos para ali,
para aqui, e assim permanecemos. Transformaram-nos em pó, com o destino, a missão única de
aumentarmos os terrenos dos cemitérios que já não chegam, pois que a fome, as epidemias e pandemias, são a única liberdade que nos resta. Até os cemitérios
dos que nos
matam à fome são sublimes
mausoléus, e nós
quando a morte
nos convida… os nossos
familiares regateiam um pouco de terra… porque mesmo depois de mortos a ela
não temos direito.
Somos párias no além.
O característico
perdurar sonoro inconfundível faz aparição.
Aparenta motim, humana
borrasca de borracho
destoado. As chapas do casebre crepitam com a corrente eólica do etanol.
Vão saltando dos gonzos
ogivais pregados. A voz é rouca, indecisa:
- Este
vizinho está sempre
a mudar as chapas
da porta! Juro-lhe que
hei-de encontrá-la!
Mentor apreende-se.
- Nunca
mudei a porta, o álcool é que a faz de muda.
O vizinho
parece estar no labirinto
a fugir do Minotauro. Desequilibra-se e aterra com a massa corporal
na porta de entrada.
A fragilidade do material
obedece-lhe, e como um
furacão recebe-se na mesa que tenta
fugir-lhe, limitando-se a mudar de posição. Faz tremendo
esforço para
se levantar, as pernas
não obedecem vitimadas pelo
vendaval, e os destroços
espraiam. Ulisses zomba-lhe:
- Se os pés pensassem, não
suportariam a dor do chão.
Entretanto, o vizinho consegue equilibrar-se no chão
com a ajuda
da parede. Tenta
mostrar, ludibriar a
sobriedade, parecer que não está bêbado.
- Monitor…
Mentor… és o único
que visito aos tropeções!
Olha à sua
volta, e vê
os derrames do madeirame.
- Não
venho só, trago-te alguns
escombros… ruínas
do nosso PIB. Estes
lugares, estas ruas
esburacadas enterram o trânsito democrático. A questão
não é o ter, é o cinismo
do ser. O navio
do dilúvio da escravidão
negreira está à deriva.
Mentor sente uma visão
profética:
- Só falta acontecer um vulcão, um tremor de
terra e um ciclone…
bebes, e não cumpres as regras do trânsito.
Sinal vermelho
é para parar.
- Oiço e vejo tudo
vermelho outra vez, já não suporto o cinismo
dessa agressividade.
- Cada vez que me visitas deixas a casa em pantanas.
- Pantanas?!... Ah, … o pântano
do poder não me deixa respirar. Trago o perfume dos jardins
de Babilónia apagados… lembrados, do paganismo alcoólico.
- Embebes-te porquê?
- Os gatunos
sem utilidade pública incendiaram-me o casebre. Antes,
os esgotos e a água
das condutas rebentadas reuniram-se, e
foram arrastando os poucos alicerces que o
casebre possuía. Fiquei apenas com o habitual,
o que resta
da minha cabeça.
O governo Politburo é conivente, não vale a pena. Isto é para destruir. Não é por acaso que o álcool persegue, prefere a população.
Creio que não
sobreviveremos muito tempo. É como
nos estádios de futebol, entrosados e
acutilantes. Fome, doenças,
epidemias, alcoolismo,
droga, feitiçaria…
que extinguem um
povo a curto
prazo. Na prática
já não
existem, só restam as suas sombras. Quem os governa,
prepara-lhes a solução atípica final. Com palavreado perfumado, um cemitério apocalíptico espera-os, onde
finalmente repousarão. É como a censura
e o racismo… solidarizam-se sempre.
- O racismo
mais violento
é o preconceito intelectual…
o crescimento económico esvai-se.
- O crescimento
económico é um pai
muito rico, um presidente eterno e com os filhos
na afronta da fome.
- Sem
livros não há desenvolvimento,
não há emprego.
- Por
acaso há universidades
para desempregados? É que jogo
sempre na equipa deles, meto muitos golos, e dizem-me que
estou perdido. Não consigo
jogar nessa equipa. Não
pertenço à classe dos que
recebem ordens superiores,
porque significa que
vivemos como inferiores.
A minha Penélope já
está velha, vende qualquer
coisa para sobrevivermos.
Os nossos dois
filhos e a filha
seguem a determinação do tintol. Sabes… em Jingola a única
liberdade que
nos resta
é acariciar, rodar com os dedos copos
com qualquer
mistela que se beba. Entristece-me a certeza que nenhum letrado
da nossa pena escreve sobre os nossos feitos gloriosos. Nós…
sim… nós… gloriosos
alcoólicos, temos muitas odisseias para viver, para
quem as queira narrar.
Muitos, infindáveis
livros encher-se-iam... construiriam uma
biblioteca do tamanho
de uma grande cidade.
O nosso dia-a-dia dá para
escrever uma obra
literária, onde
o autor ganharia – de sombra e água fresca – o prémio Nobel da Literatura.
- Devaneios
de um alcoólico
não se levam em
conta.
Reapreciou-se o tilintar
alaudado do medieval garrafal.
Era a vizinha
que aproveitou para
abastecer a circunstância
atenuante. O ébrio
com a mente
adjudicada, afortunou-se, imaginou princesa com
xanto, e devaneia-lhe:
Princesa do saracotear, cervejar
Deixaram os punhais
Setembrinos e Novembrinos
enferrujar
As sementes dos
teus olhos
perderam-se
no triste adubo verde, sem livros
Estão sempre os
teus olhos
tristes
sem medida cautelar
És probabilidade,
defunta sem
choro, figura
decorativa
As noites
delongam-se, mordentes noite e dia
escravas, nas costas
carregadas de garrafais crianças
Os teus lábios endureceram sem
porvir
só de fora para fora, de fora para dentro não
A minha tristeza voa, só vê desolação,
na Nação
Tudo esbanjado pelo partido e não
repartido
sem bater pés não andam,
desandam
Está tudo
entupido, carcomido
Tudo de fachada
fechada, enregelada
A tristeza de contemplar poetas
de poesia
engarrafada
Poemas de escravos independentes
na pátria dos poetas mortais
Sempre as mesmas vozes
se levantam
cabisbaixas nas repetidas intenções
O ambiente
lembrava navio alcoólico
que perdeu o leme,
balançado nas cristas das ondas. Ainda não atingira a profundidade
abissal desejada. Como
os relatórios do FMI, equações certas,
políticas erradas.
- Divinos devaneios
para quem
sabe liquefazer-se. – Astuciou Ulisses.
Imagem: Aléxia Gamito
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