Conheci o Job nos
terrenos e nas casas dele. Parecia-me homem
sincero, recto e temente
ao seu MPLA. Tinha
fama de muito
bondoso e afastava-se dos especuladores
imobiliários e das suas negociatas. Proliferou sete
filhos e três
filhas, muitas lavras e muita gente condizente para o servir.
Costumavam radiodifundir que
era o mais
rico do reino. Os seus
filhos ultrapassavam o tempo em grandes festas.
Convidavam as suas irmãs a comerem e a
beberem com eles.
Job escolhia algumas cabeças de gado e enviava-as para o seu MPLA, como prova de gratidão,
vassalagem.
Um dia
o MPLA visitou-o para lhe
agradecer as ofertas.
Num repente aparece o General Jardim do
Éden. O MPLA pergunta-lhe:
- Donde vem?
O General Jardim do Éden
respondeu.
- Ando a vigiar estas terras.
Disse o MPLA ao General
Jardim do Éden.
- Já
viu o meu vassalo
Job? Não há ninguém
no reino que se lhe
compare. Muito honesto,
justo, mais
que vertical
e detesta os especuladores imobiliários.
Respondeu o General
Jardim do Éden ao MPLA.
- Hum! Acho que ele não faz isso em vão. O meu
MPLA concede-lhe muito apoio.
É um dos poucos
vassalos protegidos. O seu gado, as suas casas e as suas
terras não
param de aumentar graças ao MPLA. Ele que fique
na miséria, que
passe fome,
vai odiar o MPLA e demais
camarilha.
Disse o MPLA ao General
Jardim do Éden.
- Parece-me que você anda com o olho nestas terras.
Sei que alguns
já espoliaram algumas… chegam,
instalam-se… já está tudo feito.
O General Jardim do Éden
fez a saudação militar e
saiu da presença do MPLA.
Um dia,
a filharada de Job estava numa festa na casa do filho mais velho. Depois chegou um
mensageiro e disse a Job:
- Os bois lavravam, as tropas
do General Jardim do Éden chegaram e levaram-nos. Disseram que
estavam com fome.
Feriram os empregados. Só eu escapei.
Chegou outro mensageiro
que disse:
- Incendiaram,
arrasaram tudo, nem as crianças escaparam. Os empregados
morreram queimados. Só eu escapei.
Ainda outro
mensageiro apareceu e disse:
- Eram pelo
menos trezentos pelotões armados como na
invasão do Iraque. Roubaram, reduziram tudo a pó… incluindo móveis e
utensílios. Só eu
escapei.
Mais um mensageiro
chegou e disse:
- Estava a tua
filharada numa festa em casa do filho mais velho. Como agora tudo
acontece, o governo é o principal criminoso, os demolidores e espoliadores
atacam às três, quatro da manhã… pareciam, vieram como um
tufão que
arrastou as casas e todos os que lá estavam.
Ninguém ficou vivo.
Só eu
escapei para te
contar o que
se passou.
Job levantou-se muito chateado, rasgou a sua
manta, atirou-se para o chão
e clamou:
- O meu destino é igual ao dos outros
espoliados. Trabalhamos nas nossas terras,
edificamos as nossas casas a que o MPLA chama casebres. Chega o General Jardim do
Éden e rouba-nos tudo. Bendito seja o nome
do MPLA!
Mesmo assim
Job não se revoltou nem
amaldiçoou o MPLA.
Noutro dia veio uma delegação de alto
nível chefiada pelo MPLA.
O General Jardim do Éden estava presente. Então o MPLA disse ao General Jardim do Éden:
- Onde
tens andado? Porque não
proteges os bens do meu
vassalo Job?!
O General Jardim do Éden
respondeu:
- Estou sempre vigilante, está tudo sob
controlo e não notei nada de anormal.
Disse o MPLA ao General
Jardim do Éden:
- O vassalo Job merece a minha
admiração. É a única
pessoa honesta
que resta
no reino. Tomara que
houvesse mais como
ele. Confesso
que os corruptos
ganharam o campeonato da corrupção…
e apuraram-se para o campeonato
mundial. Facilmente obterão a vitória final.
O General Jardim do Éden
respondeu ao MPLA:
- A vitória
é incerta. O terror da corrupção termina em assassinatos,
ajustes de contas,
até à vitória
final do grande
terramoto político.
Parece que já sabemos como isto vai acabar.
O MPLA disse ao General
Jardim do Éden:
- A nossa secreta
informou-me que você
está envolvido no roubo das terras.
Tratamos disso depois. Peço-lhe que não atente contra a vida
de Job.
O General Jardim do Éden
baldou-se. Quando viu o luxuoso
avião particular
do MPLA desaparecer no céu mandou alguns dos seus
matadores de confiança darem uma grande sova a
Job, mas de maneira
que não
o matassem.
O corpo
de Job ficou macadamizado. Job apanhou uma folha
de bananeira para
limpar as feridas.
Tudo à sua
volta parecia uma chuva
de cinzas. Sentou-se nos restos de
tijolos e na madeira queimada. A sua
esposa disse-lhe:
- Ainda
gostas do MPLA?! Depois do que o General Jardim do Éden dele te
fez?! És muito parvo!
- As mulheres não
entendem nada destas coisas. Apesar
do General Jardim do Éden me espoliar e privatizar tudo
o que tinha,
devo obediência e lealdade ao MPLA.
- Eu
é que trabalho
na terra!.. o teu
fanatismo é escravidão,
não é lealdade! És um
grande atraso
de vida! Onde
estão os teus amigos do MPLA, em quem tanto confiavas?
- Hão-de vir...
Hão-de vir!
E chegaram alguns amigos
do MPLA que confortaram Job. Um disse-lhe
que a sua
conta bancária
estava em
baixo. Os outros tristemente
confessaram que também
lhes espoliaram e demoliram tudo o que tinham. Que
o mal era
geral... um reino de demolições. Trabalhar de verdade
não era
possível, porque
espoliar continua fácil. Ficaram uns dias a acalentá-lo e sentaram-se nas sobras de algumas cadeiras.
Depois, cansados foram-se embora. Um deles ao despedir-se reafirmou:
- O reino da fome está combalido.
Apareceram alguns grupos
de espoliados, esfomeados que
aproveitaram as sobras. O local ficou igual
a um deserto.
Job bocejou, apetecia-lhe dormir. Falou para o vento cúmplice
que arrastava as cinzas:
- Tantos
e tantos anos
de trabalho em vão.
Não dá para
trabalhar nesta terra, porque
depois vem um
General Jardim do Éden e fica com ela,
privatiza-a. Finge que a trabalha à espera que surja um sócio estrangeiro. Mas eles já não
acreditam nisso e a terra abandona-se. Fica para acampamento de
deslocados que na verdade são refugiados, e assim sucessivamente. As trevas dominam este
reino. O MPLA está sempre lá em cima sentado no seu
trono. Raramente
desce, sobe, ou sai. Adora rodear-se de
pessoas que mais
parecem lâmpadas fundidas, que dão pouca luz, ou acendem
de vez em quando. A minha
terra, a minha Luanda, a minha Angola, contaminam-se, nunca
mais nelas nada
crescerá. Resta-me olhar para
as nuvens e para
os restos das árvores que parecem fantasmas
ao luar. Tantos
anos em
vão que
trabalhei. Agora tudo
ficou igual às noites
escuras. Nunca mais
perderei anos, meses e dias nestas coisas.
E Job sente-se como o programa
de arranque, o sistema
operativo corrompido que não inicia
o computador.
- Ah! Não vou ficar aqui toda a vida a olhar para
a noite. Não me espoliaram este tocador
de CD portátil. Vou ouvir umas músicas
e dançar uns bons bocados.
Chorar não
adianta. Lembro-me que os colonos quando
fugiram, preveniram-me que não valia a pena trabalhar na terra, porque depois de estar tudo bem, apareceria alguém que ma
roubaria. Não acreditei, agora dou-lhes razão.
Fui e continuo muito parvo. Pedir um empréstimo
bancário (!). Nem pensar!
Só se for para
importar cerveja.
Os bancos não
arriscam fazer empréstimos
a longo prazo.
Consideram que investir
na agricultura não
dá lucros. Porque
quando chegam as chuvas
as culturas destroem-se. Depois há que fazer novo empréstimo.
O lucro tem que
ser imediato,
caso contrário…
não deixam nada.
E Job, cheio de contentamento pela miséria
oferecida pelo seu MPLA, ainda crê que é um dom divino do MPLA do seu sol, da sua terra, da sua miserável
vida. E reza para que
o seu Comandante Real tenha longa vida. Mas o seu estômago desperta e aqui
vê a verdade
das verdades.
- Sinto-me muito cansado
e com fome.
Nem sei onde
dormir… não me deixaram tenda, disseram-me que
depois iria algures aí para algum estendal, tendal… vou apanhar
um bocado
de capim e fazer
um casebre. Esses do MPLA nascem e querem tudo
só para eles. Nascem infectados com
a doença do dinheiro. Bom, vou ver se consigo vender alguma coisa no maior mercado do continente
da fome. Ou
carregar sacos
às costas, ou
vender água fresca para viver.
Arranjar uns papelões
para dormir… tenho que
safar-me. O MPLA disse que não me
abandonaria, mas já
estou farto dessa conversa.
Os seus conselheiros
dão-lhes maus conselhos
e só aparecem onde
há dinheiro à vista.
Os príncipes estão muito
ocupados com
os seus negócios,
vivem num mundo distante.
O reino é deles, por isso vivem-no e repartem-no. Além
disso nada mais
existe. Fazem por parecer
cultos, mas
estão ocultos… como se não existissem. Não
gostam que os perturbem, a não ser que lhes levem um bom negócio. Eles são a lei
e nela repousam. Ninguém tem coragem de os abordar, pois o seu poder é imenso. É um MPLA maior que o seu reino, que muitos
reinos. Aqui não
há pequenos, só
grandes. E quem
tenta lá
entrar jamais
sai. É que não
existe porta das traseiras.
Porque têm um
cemitério particular
muito mal
iluminado, para que
não se possam ver
as inscrições das lápides.
As amarguras dos miseráveis nunca são
escutadas, mas os latidos
dos cães escutam-nos com muita atenção.
E Job lembrou-se que o mais cansativo, o que
cansa na realidade mais
pura é a fome e a espoliação.
- Cavar,
cavar de dia
e de noite à procura
de diamantes que depois
de encontrados ocultam-nos. As minas são propriedade
real do MPLA, disso ninguém duvida.
Dançam, pulam, pululam de contentes porque já não há espaço nos cofres para colocarem as riquezas.
Para viver neste reino é necessário matar, vigarizar e
espoliar. São estas as leis que
funcionam. Quem não
as cumprir não
sobrevive. Só o oculto
permanece e não se pode desvendar.
Tudo é permitido
para obter o nosso pão. Os milhões de esfomeados em
vão suspiram ao governo
dos desgovernados. Nada temem e nada receiam, porque
os seus exércitos
não dormem, estão sempre
de atalaia e reforçados no Orçamento Geral do Estado. Ai dos prevaricadores! Apesar disso não
dormem descansados. Vivem na perturbação
constante de um
levante, porque
duas malditas rádios e semanários democráticos
atiram tudo para
fora, não
deixam passar nada.
Acusam-nos de democratas malvados, de maldita democracia
que denuncia constantemente
os corruptos. É por
isso que
ninguém gosta
dos democratas e da democracia.
O Ordens Superiores do
MPLA foi em auxílio
do seu vassalo,
e disse a Job:
- Não
sei se aguentas o que te vou dizer, mas digo-te algumas verdades.
Comeste e bebeste com muitos. Emprestastes o teu
dinheiro e agora
não te
querem saber. Só
mesmo um
Job!.. edificaram empresas com o teu dinheiro… ajudaste muita
gente?! Pareces o Job da Bíblia. Nunca vi nem
conheci um idiota
como tu.
E alguns ainda
aparecem e levam algumas bananas que por milagre se salvaram. Quem
te mandou confiar
no MPLA? Milhões confiaram nele e vê como estão.
A morrerem à fome!.. o MPLA disse que tens que esperar mais trinta,
cinquenta anos para saíres da miséria…
e que depois de morto ressuscitará e
virá salvar-nos uma vez mais do imperialismo
internacional. Morto
ou vivo
nunca desiste da luta
anti-imperialista.
Entretanto o Ordens Superiores
deu parecer aos arquitectos e engenheiros
portugueses, brasileiros e chineses que
construíam um bruto
condomínio, brutas torres e prédios nas terras que
já não
eram de Job. Serviriam também para alegrar,
para lazer da
nobreza e do MPLA. Para passarem brutos fins-de-semana na fuga
da agitação da cidade,
da barulheira e da anarquia
dos nobres súbditos sem
lei.
Perto, algumas cobras oposicionistas,
descontentes, rastejavam à procura de local mais aprazível para respirar.
Sentiam-se deslocadas nas suas próprias tocas. Iam bem chateadas. O
Ordens Superiores continua a desvendar os males do mundo ao
grande idiota
Job.
- A questão
fundamental da vida
é a utilidade pública. A grande descoberta
de todos os tempos.
A maldita invenção
que os homens
fizeram – o dinheiro –. Porra meu! Já viste a quanto
está o metro quadrado de terreno... 2.500.00 dólares! Uma colossal fortuna. Ó
meu não sei se tás a ver como se ganha dinheiro sem trabalhar! Aqui não há
população, o que manda é o dólar. A negralhada que se lixe… que morram prá aí!
O dinheiro dá muita satisfação
a quem o possui e que
nunca se satisfaz, quer
sempre mais
e mais. Fica obcecado…
como uma ideia fixa…
torna-se numa doença. A pessoa
deixa de ser humana, vira
uma desumanidade sem
limites. É o vale-tudo.
Daí não desmagnetiza o seu pensamento.
No fim vem a loucura,
a neurose a necessitar
de urgente tratamento
psiquiátrico. Provoca guerras para obter
mais e mais até
à destruição do planeta…
da humanidade. Provoca uma grave contradição:
O dinheiro resolve muitos
problemas, mas
quanto mais
abundante mais
problemas trás.
É isto a origem
da maldade.
O Ordens Superiores vai
ao Hummer acabado de importar com o dinheiro do petróleo do povo, traz a caixa térmica,
abre-a. Retira uma garrafa
geladíssima de Dom Perignon com cinco anos de idade.
Convida Job mas este
recusa com a cabeça.
Satisfaz-se com uma farta
golada. Reconta a exercitação de Job.
- Sabes Job… o nosso MPLA é como
um universo-ilha. Os ricos são fábricas de lixo.
Os seus lares
produzem-no em abundância
porque consomem muito.
E obrigam-se a consumir o que
a sua ira
produz. Nem as plantas
e os animais lhes
escapam, porque montanhas
de resíduos lhes
caiem em cima
todos os dias.
Quando a consciência
da Natureza se revolta,
chamam-lhe calamidade natural... e as vítimas
são imensas… os seres
humanos que
escapam vivem dispersos, na fuga incerta, permanente.
A Natureza sussurra
os seus segredos,
mas já
ninguém os entende ou
finge não entender.
Aparece-nos em visões
à noite e desaba em cima
de nós, precisamente
quando estamos no sono
mais profundo.
Acordamos espantados e estremecemos perante
tal poder. Os
espíritos vagueiam à nossa volta, poucos povos já os entendem. O vento
fala-nos, previne-nos, mas os nossos olhos já nada vêem.
Está tudo corrompido, somos todos corruptos!
Imagem: centralidade da Tchavola
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