O Almirante simula que olha num periscópio:
- Como posso preocupar-me com o bem-estar e a
segurança dos seres humanos, se Deus é o primeiro a abandoná-los? Esse problema
é dele. Se ele não liga, quem é que se vai preocupar? Essa é a questão. Como é
que vou acreditar num Deus que deixa uma criancinha ser esmagada por um carro?
Só pode ser a Teoria da Selecção Natural das Espécies. E as matanças que se
fazem em nome desse deus são contra os direitos humanos. Devia ser julgado por
crimes contra a humanidade. Até aos nossos dias ordenou, ou foi cúmplice, na
matança de milhões de pessoas.
- Temos que criar um tribunal especial. – Pediu o
Vodka.
- O julgamento vai durar mais de mil anos.
- Porquê?
- O processo será tão volumoso que terá aí um
trilião de páginas.
O Vodka está preocupado, diz para o Almirante:
- A minha esposa está com problemas. No ministério
das Finanças está uma empresa portuguesa a reavaliar os seus funcionários.
- E os dessa empresa não são reavaliados? Não estou
de acordo. Isso devia ser entregue a uma empresa angolana. Estamos
desempregados. Preferem dar emprego aos estrangeiros.
O Vodka esgrime:
- A perfeição da imperfeição portuguesa está a
tentar um êxodo de desempregados para esta terra da promissão. Estão falidos e
exportam a sua falência para este paraíso plantado à beira das plataformas
petrolíferas.
- Já trabalhei com eles e deixaram muito a desejar.
Fui assessor técnico de alguns desses super doutores e verifiquei que eram
amadores. Quero dizer que chegam aqui como doutores, e servem-se da força local
de trabalho. Não gostam de trabalhar. Gostam de dar ordens.
- Teóricos, é o que são. – Teorizou o Vodka.
- Não é por acaso que são os mais atrasados da
Europa.
- Exportar esse atraso para África, equivale a
dizer que retornamos aos tempos saudosos do colonialismo. E isso vai trazer
problemas à população.
O Presidente alvitra:
- Uma delas, a mais importante neste momento, é a
económica, é base material que une os homens, enquanto que a área idealista
divide os homens e as nações. O nosso colega e amigo, Camarada Presidente Sekou
Touré exprimiu, muito concretamente, a ideia da organização do nosso Mercado
Comum Africano. Aplaudo a ideia. Estou absolutamente de acordo com ele. In Agostinho Neto. 18 De Julho de 1978. Cimeira da OUA, Kartum.
O Hepatite e o Poeta tecem considerações. O
Hepatite fala:
- Aqueles que tudo têm não fazem nada. Os que nada
têm querem fazer tudo.
- A questão é que os EUA actualmente não estão a
ganhar nenhuma guerra, nenhum conflito. Como sucedia antes. Significa que uma
nova ordem mundial está a surgir.
- Sim. É um facto. Os povos esfomeados estão
cansados. É o começo da nova história. O poderio deles é para consumo interno.
Não aceitam sugestões, ou qualquer conselho de ninguém. Nenhuma nação pode
viver no isolamento. O imperialismo ainda continua a cegá-los. E o nosso país
já está cego.
- Isto não é um país, é uma grande empresa. –
Reivindicou o Poeta.
- Na capital já não há mais espaço, vão construir
no mar.
- Vamos fingindo que somos um país. – Encolheu os
ombros o Poeta.
- O país do depois telefono, depois falamos.
Os copos agitam a alma criadora do Poeta:
Desde que fomos inventados/ continuamos com as
mesmas lutas/ e não há nada de novo, sempre a mesma coisa/ procurar algo que
acabe com a nossa fome/ posto isto não evoluímos nada/ porque apenas vivemos
para comer/ e sempre assim será/ Oh! Pobres de nós que perdemos/ os milénios da
nossa vida eterna/ à procura de comida e de sexo/ e de água para beber
(desculpem, cerveja)/ Perante tudo isto é curioso notar/ quando chegam os dias
da extrema amargura/ quando sentimos o nosso coração a parar/ uma mensagem
derradeira é enviada a Deus/ Porquê? Só nesse momento, porquê?
- Almirante, manda-me descansar!
- Descansa.
- Vou votar… não vou votar.
- Como é boa esta bebida. Dá-me segurança. – Diz um
cervejeiro.
- Já não consigo distinguir nas fardas dos
seguranças, quais são polícias ou elementos das forças armadas. – Cerveja o
outro.
- Sinto-me inseguro. Com ataques de pânico, não aguento
mais.
O Presidente sente-se cansado, mas não desiste da
luta:
- É que de facto, fez-se tanto barulho com os tiros
em Angola que até alguns foram parar aos Estados Unidos da América. Camaradas,
eles vão regressar. Eles vão ter outra vez a sua casa, a sua oportunidade de
trabalho dentro do nosso país. O Partido funciona para o Povo e não somente
para os seus militantes. Os trabalhadores do nosso País, os operários e os
camponeses, devem ter o sentimento real de que os meios de produção, quer dizer
as máquinas, os tractores, os meios de transporte, as enxadas, as ferramentas
que são uma propriedade e são sua propriedade para benefício de todo o Povo.
Nós não controlamos a chuva, se não houver chuva vamos morrer de fome? Não?
Embora nós tenhamos muitos rios, o nosso Povo ainda sofre de falta de água. A
formação de quadros é uma preocupação essencial e por isso o nosso Governo tem
estado a dar muita atenção à formação dos jovens. Numa parte das nossas cidades
há casas de construção definitiva, muito lindas, belos palácios, e do outro
lado há as casas de adobe, casas de madeira, tacanhas, pequeninas, onde só
muito dificilmente se pode viver. E não é fácil convencer toda a gente de que
determinados privilégios que alguns angolanos ainda vivem hoje devem ser abandonados
em favor das classes trabalhadoras. Eu ainda estive aqui mesmo, em Cabinda,
creio que com a Comissão Política, a verificar um facto. É que, por exemplo, um
operário qualificado aqui no nosso País ainda ganha menos do que uma
dactilógrafa. Precisamos de fazer uma nova Revolução! E a tomada de posição
sobre esses problemas vai provocar evidentemente, convulsões grandes dentro do
país. Vai provocar uma reacção de determinadas camadas sociais, que nós devemos
combater com decisão, para que a exploração não continue, para que, de facto,
nós tenhamos à disposição daqueles que produzem os meios suficientes para a sua
vida e não nas mãos de alguns dos nossos compatriotas que ainda pensam que na
ociosidade podem também ter uma vida tranquila. Os ociosos não devem viver
tranquilos no nosso país. In Agostinho Neto. 15 De
Setembro de 1978. Discurso em Cabinda.
O Almirante cambaleia, porém mantém a sua
dignidade:
- Para ajudar os países pobres, subdesenvolvidos,
tem que se mudar os seus governos. Não acontecendo isto, toda a ajuda prometida
é pura demagogia. É a poluição da informação que nem sequer a ela acedemos.
Vamos ter o retorno ao Dr. Livingstone, presumo. Ou ao, elementar meu caro
Watson.
- Cordeiros tresmalhados que devem regressar ao
rebanho. – Reforçou o Vodka.
- Os tempos mudaram bruscamente e as pessoas não se
adaptaram. – Limitou o Poeta.
O Filósofo lamina a sua pedra filosofal:
- Tudo não passa de uma questão de educação. Fui
educado por dois nobres padres. Sinto que estamos longe dessa nobreza. Nunca
sonhei com tanta maldade, com tanta feitiçaria. Ver um povo, uma nação assim. É
impressionante. Não… não é verdade, esta tragédia nacional dos cérebros
destruídos pelo alcoolismo. Igual aos prédios por falta de manutenção, e
destruição progressiva, que irão desabar. Mesmo que se apresente, se denuncie o
que se passa, a fiscalização do Governo não tem noção, finge que vai repor o
que lhe compete. Ninguém quer saber de ninguém. A destruição do que resta deste
império colonial está no fim. Pobre povo sem futuro. Delenda Carthago.
- Vamos ter milhares sem abrigo. – Apoia o Poeta.
- Eles apreciam, depois dizem que o culpado é o
Governo, o que é a verdade irrefutável, que destruiu as suas habitações. A
indisciplina habitual. – Eivou o Vodka.
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