Jingola é apenas para negócios
da China?! Até o povo venderam. Quando um país só serve para negócios… está
ultimado.
O Cavaleiro Epok falou com o marquês
GOR, Gabinete das Obras Reais. Várias brigadas
deslocaram-se para a rua da Maianga. Estandartes levantaram-se nas janelas.
Os buracos taparam-se. A arraia-miúda evacuada. A rua
ficou muito bonita.
Espalharam-se flores e perfumes. Vieram os comentários do legado cultural dos
quinhentos anos.
- Rezo para que
o rei saia
todos os dias.
- O rei do líquido
negro.
- O nosso rei
é muito bonito.
O rei dos reis
mais bonitos.
- O dinheiro que
gastaram na rua dava para
um ano
de comida.
- Vamos roubar as flores.
- Agora não, só depois dele passar.
- Avisa a Rádio dos Republicanos.
- Não dá, desligaram os telefones.
- Alguém que
vá a correr às Mãos Livres.
- Não dá, não entra nem sai ninguém.
- Vou namorar com
um mosquiteiro, vou roubar
muita comida.
- Eu vou namorar
com eles
todos, vou ficar rica.
Sons de tambores, flautas e alaúdes ouvem-se. Vários
arautos anunciam.
- Abram alas para
sua majestade
El-Rei!!!
Aplausos e vivas ao rei
começam quando ele surge num magnífico coche
estilo D. José I. Ao seu lado está o cavaleiro
Epok.
- Viva o rei! Viva o rei!
- Viva o cavaleiro
Epok das piranhas!
- Viva o piranhoso!
- Viva! Viva!
- Viva La Padep(!)
- Fofinho, vamos fazer um
bonitinho?!
O rei comenta:
- Que povo
barulhento, mal-educado,
indisciplinado. Elas então são as
piores. Não têm cultura, são simplesmente impossíveis.
Já entendo porque
é que o outro
as queria queimar.
- Meu rei, vou decretar
a lei das feiticeiras. Vão todas para a inquisição
da fogueira.
- Isso é perigoso.
Arriscamo-nos a ficar sem
elas… esposas. Além disso, são elas que trabalham. Os homens
são apenas
para enfeitar.
O cortejo está a chegar
ao fim da rua.
Vê-se uma multidão de pedintes sem ONGs,
sem forças para caminharem. Restos
de andrajos cobrem os seus corpos. Estendem as mãos.
Parecem mortos vivos.
Epok espanta-se.
- Mas o que
é isto!? O cemitério não
é aqui!
- Nós não
fazemos mal, viemos em bem.
- Ah sim, quem vos mandatou?
- Foi o cavaleiro La Padep. Disse-nos que o rei
prometeu que nos
daria algum dinheiro, umas sobras do
vosso líquido negro.
- Maldito La Padep. Esse
jovem dá-me cabo
da cabeça. Ou
vão embora
já, ou
atiro-os para as piranhas.
Ouve-se uma voz.
- As piranhas vão ficar doentes. O nosso
corpo não
tem nada para
comer, a não ser
as epidemias…
- Guardas, prendam-nos!
Epok aproxima-se do rei, este diz-lhe:
- O grande cemitério
que mandei construir
já está pronto?
Ou falta-lhe o jardim…
- Está no fim meu rei.
- Com tantos
mortos não
há cemitérios que
cheguem.
- Será pior que o holocausto.
Vinte anos depois, o Estádio Real
dos Cocos acaba de ser reconstruído. Custou vinte milhões de dólares. Epok não
esconde o seu orgulho.
- Notabilíssimo, grande obra! É pena ter demorado muito tempo.
- O nosso segredo
é a nossa lentidão.
- Não sei onde
os moradores vão estacionar
os coches. Não
pensámos nisso. Ih! Ih!
Ih!
- Oh! É apenas
uma questão de engenho
e arte.
- A iluminação das velas parece que
ficou fraca… como
sempre.
- Importem mais.
- Notável rei,
os plebeus queixam-se que as velas
importadas têm deficiências de fabrico.
Estão sempre a apagar
e a acender. Ninguém
ainda descobriu porquê.
- Eu decretei para não
mandarem vir nada
do reino do Dubai.
O chefe da guarda
anda a ler um
livro, amalucou-se, lamenta-se a Epok.
- Chefe, estou a ler
o livro dos três
mosquiteiros. Não
estou a gostar nada. O Alexandre Dumas devia escrever
sobre os nossos
mosquiteiros. Assim
ficava bom, como nós fazemos: Um por todos e todos
por nenhum.
- Cala-te analfabeto!
Epok queixa-se ao rei.
- Meu rei,
os nossos homens
andam a ler o livro
dos Três Mosqueteiros. Estão todos amalucados, desandados a imitarem as personagens. Alguns
querem matar o Cardeal.
Atiro-os para o fosso?
- Não atires mais
ninguém para
as piranhas. Tenho uma ideia melhor. Manda-os apanhá-las com
as mãos.
No outro dia
o rei pergunta
pelos estragos
das piranhas. Epok relata:
- Meu rei,
o fosso está sem
piranhas.
- Quantos são
que ficaram sem
mãos?
- Nenhum… utilizaram anzóis.
- ?!!!
- Meu rei,
estão a fazer negócio.
O povo diz que
é um bom
petisco.
Epok faz uma dissertação de modernismo a sua majestade.
- Grande líder, vamos estudar quais
são os modelos
dos cavalos voadores
que vamos comprar.
No reino do Ocidente
inventaram coches com
os cavalos lá
dentro. Há motores
de quatro, oito,
doze… com muitos
cavalos. Não
comem palha, só
bebem o nosso líquido
negro. Mandamos vir
quantos?
- Para já
encomenda dez
mil dos mais
luxuosos. Só
para os nobres.
Os plebeus terão que
andar ainda muito tempo a pé. Precisamos deles saudáveis.
Capítulo IV
As Piranhas
«O alcance
da nossa incapacidade
de gestão urbana:
conseguimos nos paralisar
por excesso
de meios de transporte.
Se calcularmos que um
carro vale em média 5 mil dólares, são
20 bilhões de dólares imobilizados.»
In Governabilidade e Descentralização.
Ladislau Dowbor http://www.dowbor.org/
Um grande navio
encosta-se com milhares de piranhas. Para evitar os roubos Epok acompanha pessoalmente
a descarga e o transporte
para o fosso
do Palácio Castelo-Forte. Depois
do trabalho terminado cria uma minicomissão de
inquérito.
- Estão todas? Não falta nenhuma? Contaram-nas?
- Chefe, veio cem a mais.
- Cem a mais
ou sem
a mais?
- Cem a mais.
- Cem com
S ou com
C, porra!?
- Não falta
nenhuma chefe.
Epok aproxima-se do fosso, olha e admira a peixaria.
- São muito
bonitas, só lhes falta
a comida.
Vira-se para a guarda
e ordena-lhes:
- Guardas, a água
do fosso está pronta, podem banhar-se.
Entretanto os guardas preparam
uma conspiração. Conjuram com as namoradas e estas com
a população para
roubarem as piranhas, ao anoitecer,
no decorrer das Cortes
Reais.
Conforme planeado cavam o que
parece ser um
esgoto para a
saída das águas
sujas, pretendendo com isto iludir a guarda secreta
do rei. Então, a água
das piranhas escapa-se rapidamente. Nas ameias uma sentinela dá o sinal combinado. Mangueiras
são ligadas
aos tonéis dos vinhos reais. O líquido chega ao fosso.
O falso esgoto
é rapidamente tapado. Tudo é recomposto,
gente e braços
desempregados não faltam. Das ameias chega o sinal
de que os tonéis vazaram. As gentes carregam à pressa
as piranhas que
adormeceram devido ao monumental banho
vinícola.
Assiste-se a uma mobilização geral.
Velhos, mulheres,
doentes, grávidas, crianças e cães
carregam o precioso vinho.
Enquanto algumas mamãs escamam o peixe, outras assam-no com
o carvão roubado do Castelo. Todos bebem sem
excepção, incluindo a criançada. As mamãs cedo
cambaleiam.
Quando os bebés pedem mama, dão-lhes vinho. Povos
das redondezas conforme combinado,
chegam para a grande
festa. Querem saudar
as Cortes Reais e o seu
rei. O cheiro
a peixe começa a deambular por todo o lado. O
do vinho também.
As jovens iniciam danças
sem fim.
Todo o mundo
dança.
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