Todos estão muito contentes porque
a festa está muito
bonita. Um
diz ao outro:
- O Castelo está com muita luz.
- Não é, são os mastros dos navios
de abastecimento.
- Nem uma coisa
nem outra, são faróis.
- Acho que são
os cavalos voadores
que já
chegaram.
- Cavalos? Aproveitamos, matamos
a fome!
As mamãs estão muito quentes, desnudam-se. Os homens
excitam-se.
- Abre as pernas querida!
- Nem pensa… só quando a bebida acabar!
As mamãs repelem os filhotes.
- Mamã, mamã, mãezinha… mamãueéééé!!!
- Ah! Sai daqui pá, quem te
mandou nascer? Hoje
não há filhos… safa-te como puderes!
O rei sempre preocupado com o seu
reino interpela Epok:
- Epok, que notícias diz os arautos sobre a
convocação das Cortes Reais?
- As estradas traíram-nos meu rei.
Ainda agora as consertámos, reinaugurámos, mas sabe como é… a chuva aliou-se
aos republicanos. Os cavalos não conseguem passar. Alguns vice-reis vêm a pé.
Os coches-ambulância no reino Jingola quando transportam doentes,
estes chegam aos hospitais
mortos. Na maioria
são ataques
cardíacos provocados pelos engarrafamentos
do trânsito e das obras de fachada.
Capítulo V
As Cortes Reais
«O maior
centro económico da América Latina, gerido pelo eterno triângulo
de empreiteiras, especuladores
imobiliários e políticos
corruptos, num negócio
milionário que
permite financiar amplamente
as campanhas políticas
que reproduzem o sistema.
O discurso, naturalmente,
é cheio de democracia
e progresso.»
In Ciência, vivência, consciência.
Ladislau
Dowbor http://www.dowbor.org/
Chega o grande dia das Cortes Reais. A nobreza aguarda paciente a chegada do seu rei. Jograis
divertem-nos, em seguida entram mosqueteiros que
tomam posições estratégicas. Menestréis com alaúdes tocam,
cantam, trovam.
O rei é pomposo
a fome vai acabar
o rei é eterno
para sempre vai ficar
O rei é o nosso
pai
a miséria vai acabar
neste grande reino
nada vai mudar
O rei é o nosso
salvador
a vida vai melhorar
com o líquido negro
nele vamos mergulhar
O rei é amigo
do povo
põe-nos a trabalhar
nos diamantes estrangeiros
sempre a facturar
Para o nosso rei
estes bonitos cravos
para que nunca se esqueça
dos seus escravos.
Epok e a rainha ocupam lugares
junto da cadeira real, uma poltrona de orelhas
estilo Luís XV, com
o desenho das armas
do reino que mostra o mar poluído de líquido negro. Por cima, na parede, um painel agigantado com os dizeres:
O LÍQUIDO NEGRO
É O MELHOR AMIGO
DO HOMEM.
NÃO SE ACEITAM SUGESTÕES.
O REI PENSA,
O REINO ILUMINA-SE.
O rei chega,
senta-se. Pergunta a Epok:
- Quero saber quem
escreveu a trova, quem é o brincalhão, penso ser mais um dos tais miúdos
malucos!
- Foram os menestréis.
- Com cheiro
a republicanos que se espalha…
- É isso! Não sentem cheiro a
peixe?! Temos que tomar
medidas. Estas cortesãs estão a ficar cada vez mais
porcas! Meu Deus!
Que horror!
– Escandalizou-se a rainha.
- A mim cheira-me a vinho. – Aveludou o rei.
- Epok… fala com
os nossos amigos
para arranjarem um
alcoómetro. Detesto nobres bêbados. – Sentenciou o rei.
Sua majestade ergue-se, toma posição imponente, omnipotente. Demora-se
um sem sentido para a TV reinante. Realça-se nos penachos por si instituídos.
Demora-se como habitualmente, naturalmente até o sono começar a agitar os
celacantos no poder. Finalmente inicia o discurso
de abertura:
- Vice-reis, marqueses e marquesas. Chefes
dos Exércitos de Terra,
Mar e Ar.
Nobreza em particular.
Faz ar muito pensativo, meditabundo, como se os imensos problemas
existentes fossem apenas invenção dos republicanos. Reata o discurso habitual,
a ver se a comunidade internacional vai na conversa, se condescende algumas
sobras.
- O reino da Dinamarca está
pobre, podre, quero dizer, o meu
reino cheira mal. As populações morrem à fome.
Rouba-se às claras. A corrupção
está pior que
piranhas. Devoram tudo.
Não deixam sobras
para ninguém.
Temos que investir
seriamente em mais
cemitérios condignos,
para receberem os mortos,
os quais já
perdemos a conta. Vamos acabar
com isto
já… em seis
meses. O único emprego
que podemos oferecer às massas, é
carregarem qualquer coisa
nas cabeças. Os republicanos ganham terreno
a toda a hora.
A manter-se esta situação seremos
afastados do poder. Os republicanos triunfarão. Os incompetentes, preguiçosos,
gatunos, devem abandonar
imediatamente o poder…ou seremos esmagados.
O rei olha
para a assistência que parece um campo semeado e não
regado, e prossegue:
- Temos que investir
já na criação
de muitos empregos.
Construir fábricas… e não
perdermos tempo e dinheiro com
construções que
a ninguém serve. Um
investimento custa
cem milhões
de dólares. No fim pagam-se duzentos milhões. Quem
fica com o resto?
Os vice-reinos estão abandonados. Não
sei se ainda existem. Porquê a teimosia de investir só na
capital? Os republicanos no vice-reino de Cabinda somam e seguem. Com tanta terra que temos, ninguém
é capaz de plantar.
E os que o fazem desistem porque ninguém
os apoia.
Não temos capacidade para reparar uma simples picada.
Não se esqueçam que
importar é roubar empregos. Com tanto
peixe e marisco que
existe no mar e nos
rios a população passa
fome. Será que
alguém vendeu o mar
e os rios? Já
não nos
pertencem? Não me
surpreenderia. Estamos a vender tudo… a vender-nos.
Os combatentes e veteranos das sobras da guerra lamentam-se da falta
de apoios. Chegou-me ao conhecimento que um antigo combatente
estrangeiro, que
nos ajudou muito,
um grande
patriota, agora
é tratado de colono.
Estamos a ser maldosos.
Só fazemos maldades.
Tornámo-nos num reino sem ciência.
Estamos a formar analfabetos.
Somos inimigos dos livros.
Nem uma cantina conseguimos gerir. O comércio
está todo nas mãos
de estrangeiros. Vendem-nos o que nos seus reinos não consomem. A nossa
comunicação social
não transmite a realidade
do reino. Os privados
passam-nos à frente. A rádio dos republicanos se emitisse para
todos os vice-reinos seria a nossa desgraça. A nossa mala-posta, correios
e telecomunicações diariamente pregam-nos cada
partida, que
chego a pensar em
utilizar pombos-correios, ou um
sistema adequado de tambores,
com repetidores,
para envio de mensagens.
O exército de terra
deixa entrar, conluiem-se com
estrangeiros que invadem o reino. Já são milhares. A
recolonização está próxima é uma vitória certa. Na educação
não educamos. Destruímos as escolas
existentes, fingimos que temos ensino. Basta ver
quantas bibliotecas temos. Não conseguimos que
haja o gosto pela
leitura. Contudo
somos um país
de poetas. Somos todos
poetas, advogados,
economistas, doutores.
Para construir uma
escola gasta-se o dobro, o triplo. Esbanjamos o tesouro real. Convencidos
que o líquido
negro dura
toda a vida.
A água para passar nas canalizações,
primeiro precisa
de as rebentar.
Aqui também metemos muita água. Das
mulheres abandonadas não é preciso falar. Basta olhar para as ruas dia e noite.
As nossas Finanças não estão
interessadas no trabalho dos contabilistas
competentes. Com
receio que eles desvendam os nossos
segredos. Também
quase nenhuma empresa,
na verdadeira acepção da palavra, existe.
Na realidade são
empresas de aventureiros que exploram os trabalhadores e violentam as
trabalhadoras. Nas nossas Minas Gerais, parece que não
se sabe a quem pertencem, estrangeiros invadem-nas impunemente.
É o regresso ao Eldorado. São exércitos
dos diamantes. A nova
colonização na grande corrida ao oiro do Klondike.
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