sábado, 21 de abril de 2012

O CAVALEIRO DO REINO PETROLÍFERO (07). Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné



Todos estão muito contentes porque a festa está muito bonita. Um diz ao outro:
- O Castelo está com muita luz.
- Não é, são os mastros dos navios de abastecimento.
- Nem uma coisa nem outra, são faróis.
- Acho que são os cavalos voadores que já chegaram.
- Cavalos? Aproveitamos, matamos a fome!
As mamãs estão muito quentes, desnudam-se. Os homens excitam-se.
- Abre as pernas querida!
- Nem pensa… só quando a bebida acabar!
As mamãs repelem os filhotes.
- Mamã, mamã, mãezinha… mamãueéééé!!!
- Ah! Sai daqui pá, quem te mandou nascer? Hoje não há filhos… safa-te como puderes!

O rei sempre preocupado com o seu reino interpela Epok:
- Epok, que notícias diz os arautos sobre a convocação das Cortes Reais?
- As estradas traíram-nos meu rei. Ainda agora as consertámos, reinaugurámos, mas sabe como é… a chuva aliou-se aos republicanos. Os cavalos não conseguem passar. Alguns vice-reis vêm a pé. Os coches-ambulância no reino Jingola quando transportam doentes, estes chegam aos hospitais mortos. Na maioria são ataques cardíacos provocados pelos engarrafamentos do trânsito e das obras de fachada.

Capítulo V
As Cortes Reais

«O maior centro económico da América Latina, gerido pelo eterno triângulo de empreiteiras, especuladores imobiliários e políticos corruptos, num negócio milionário que permite financiar amplamente as campanhas políticas que reproduzem o sistema. O discurso, naturalmente, é cheio de democracia e progresso.»
In Ciência, vivência, consciência. Ladislau Dowbor  http://www.dowbor.org/

Chega o grande dia das Cortes Reais. A nobreza aguarda paciente a chegada do seu rei. Jograis divertem-nos, em seguida entram mosqueteiros que tomam posições estratégicas. Menestréis com alaúdes tocam, cantam, trovam.

O rei é pomposo
a fome vai acabar
o rei é eterno
para sempre vai ficar

O rei é o nosso pai
a miséria vai acabar
neste grande reino
nada vai mudar

O rei é o nosso salvador
a vida vai melhorar
com o líquido negro
nele vamos mergulhar

O rei é amigo do povo
põe-nos a trabalhar
nos diamantes estrangeiros
sempre a facturar

Para o nosso rei
estes bonitos cravos
para que nunca se esqueça
dos seus escravos.

Epok e a rainha ocupam lugares junto da cadeira real, uma poltrona de orelhas estilo Luís XV, com o desenho das armas do reino que mostra o mar poluído de líquido negro. Por cima, na parede, um painel agigantado com os dizeres:
O LÍQUIDO NEGRO É O MELHOR AMIGO DO HOMEM.
NÃO SE ACEITAM SUGESTÕES.
O REI PENSA, O REINO ILUMINA-SE.
O rei chega, senta-se. Pergunta a Epok:
- Quero saber quem escreveu a trova, quem é o brincalhão, penso ser mais um dos tais miúdos malucos!
- Foram os menestréis.
- Com cheiro a republicanos que se espalha…
- É isso! Não sentem cheiro a peixe?! Temos que tomar medidas. Estas cortesãs estão a ficar cada vez mais porcas! Meu Deus! Que horror! – Escandalizou-se a rainha.
- A mim cheira-me a vinho. – Aveludou o rei.
- Epok… fala com os nossos amigos para arranjarem um alcoómetro. Detesto nobres bêbados. – Sentenciou o rei.
Sua majestade ergue-se, toma posição imponente, omnipotente. Demora-se um sem sentido para a TV reinante. Realça-se nos penachos por si instituídos. Demora-se como habitualmente, naturalmente até o sono começar a agitar os celacantos no poder. Finalmente inicia o discurso de abertura:
- Vice-reis, marqueses e marquesas. Chefes dos Exércitos de Terra, Mar e Ar. Nobreza em particular.
Faz ar muito pensativo, meditabundo, como se os imensos problemas existentes fossem apenas invenção dos republicanos. Reata o discurso habitual, a ver se a comunidade internacional vai na conversa, se condescende algumas sobras.
- O reino da Dinamarca está pobre, podre, quero dizer, o meu reino cheira mal. As populações morrem à fome. Rouba-se às claras. A corrupção está pior que piranhas. Devoram tudo. Não deixam sobras para ninguém. Temos que investir seriamente em mais cemitérios condignos, para receberem os mortos, os quais já perdemos a conta. Vamos acabar com isto já… em seis meses. O único emprego que podemos oferecer às massas, é carregarem qualquer coisa nas cabeças. Os republicanos ganham terreno a toda a hora. A manter-se esta situação seremos afastados do poder. Os republicanos triunfarão. Os incompetentes, preguiçosos, gatunos, devem abandonar imediatamente o poder…ou seremos esmagados.
O rei olha para a assistência que parece um campo semeado e não regado, e prossegue:
- Temos que investir já na criação de muitos empregos. Construir fábricas… e não perdermos tempo e dinheiro com construções que a ninguém serve. Um investimento custa cem milhões de dólares. No fim pagam-se duzentos milhões. Quem fica com o resto? Os vice-reinos estão abandonados. Não sei se ainda existem. Porquê a teimosia de investir só na capital? Os republicanos no vice-reino de Cabinda somam e seguem. Com tanta terra que temos, ninguém é capaz de plantar. E os que o fazem desistem porque ninguém os apoia.
Não temos capacidade para reparar uma simples picada. Não se esqueçam que importar é roubar empregos. Com tanto peixe e marisco que existe no mar e nos rios a população passa fome. Será que alguém vendeu o mar e os rios? Já não nos pertencem? Não me surpreenderia. Estamos a vender tudo… a vender-nos. Os combatentes e veteranos das sobras da guerra lamentam-se da falta de apoios. Chegou-me ao conhecimento que um antigo combatente estrangeiro, que nos ajudou muito, um grande patriota, agora é tratado de colono. Estamos a ser maldosos. Só fazemos maldades.
Tornámo-nos num reino sem ciência. Estamos a formar analfabetos. Somos inimigos dos livros. Nem uma cantina conseguimos gerir. O comércio está todo nas mãos de estrangeiros. Vendem-nos o que nos seus reinos não consomem. A nossa comunicação social não transmite a realidade do reino. Os privados passam-nos à frente. A rádio dos republicanos se emitisse para todos os vice-reinos seria a nossa desgraça. A nossa mala-posta, correios e telecomunicações diariamente pregam-nos cada partida, que chego a pensar em utilizar pombos-correios, ou um sistema adequado de tambores, com repetidores, para envio de mensagens.
O exército de terra deixa entrar, conluiem-se com estrangeiros que invadem o reino. Já são milhares. A recolonização está próxima é uma vitória certa. Na educação não educamos. Destruímos as escolas existentes, fingimos que temos ensino. Basta ver quantas bibliotecas temos. Não conseguimos que haja o gosto pela leitura. Contudo somos um país de poetas. Somos todos poetas, advogados, economistas, doutores. Para construir uma escola gasta-se o dobro, o triplo. Esbanjamos o tesouro real. Convencidos que o líquido negro dura toda a vida. A água para passar nas canalizações, primeiro precisa de as rebentar.
Aqui também metemos muita água. Das mulheres abandonadas não é preciso falar. Basta olhar para as ruas dia e noite. As nossas Finanças não estão interessadas no trabalho dos contabilistas competentes. Com receio que eles desvendam os nossos segredos. Também quase nenhuma empresa, na verdadeira acepção da palavra, existe.
Na realidade são empresas de aventureiros que exploram os trabalhadores e violentam as trabalhadoras. Nas nossas Minas Gerais, parece que não se sabe a quem pertencem, estrangeiros invadem-nas impunemente. É o regresso ao Eldorado. São exércitos dos diamantes. A nova colonização na grande corrida ao oiro do Klondike.

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