Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné
- Que desbunda minha
filha! Saco sem fundo e delambido como é, a primeira coisa que fará é
despejá-lo nos ouvidos do teu papá.
- Se lhe deres uns
toques não.
- Como assim! O que é que
insinuas?
- Eu sei…
… Sabes o quê?
- Numa noite sonâmbula, entrevi-os na câmara.
- E o que é que
filmaste?
- Duas paisagens
encantadoras.
- Está bem, falo com
ele mas, apenas esta vez. E deixa de me filmares, senão mando-te pôr
a ferros, ou exilar-te.
- Mãe desculpa,
estavas tão bonita…
tão graciosa…
… Andas muito pornográfica, vou boicotar-te a leitura de obscenidades.
- Não me faças
isso, gosto muito de ti.
- Está bem,
castramos por aqui.
CAPÍTULO III
O REI
Epok desavisado
afunda-se no salão de honra privado do rei.
- Meu rei. Temos problemas com o
projecto dos vinte milhões.
- Qual deles?! São
tantos!
- Aquele dos pequenos
cartões que
o reino do Ocidente
informatizou. Não me
lembro do nome.
- O bilhete
de identidade.
- Sim meu rei,
obrigado. És a única pessoa
do reino que
sabe tudo.
- Por isso sou o
rei, desvenda lá.
- Dispusemos vinte milhões dessa moeda,
não me
lembro do nome.
- Dólares!
- Efectivamente! Tu
és a única pessoa
do reino que
sabe tudo.
- Já te disse… por isso sou o rei, diz lá.
- Cinco milhões… não sei o que
se passa na minha
cabeça, cinco
milhões de… do… dores.
É isso, desta vez
acertei. Cinco milhões
de dores.
- Cinco milhões
de dólares!
O rei pausou-se. Aproximou-se da única
janela existente, olhou para a paisagem
do jardim enfeitado com
as flores que
mais tocavam a sua sensibilidade.
Festejava-se interiormente quando contemplava a flor-da-paixão, a
flor-do-sangue, a flor-da-noite, a flor-dos-amores e a flor-do-imperador. O
cavaleiro Epok interrompe-lhe as aromáticas sensações.
- Meu rei. Dessa quantia foram retirados cinco
milhões de dolo
para a compra dos coches que apoiam as brigadas
dos tais bilhetes.
Eles gastaram metade e ficaram com o resto dos
dolos.
- O que há aqui a fazer é decretar a lei da derrama.
Mas quem
a pagará? Se o grande reino FMI, parece-me, acaba de dizer
que os meus
súbditos vivem muito abaixo do limite da
miséria… isto é uma situação muito grave, sem solução.
- Meu rei, para somar ainda mais, as empresas roubam-nos biliões de dolo
todos os anos.
- Dólares! Dólares!
- Já entendi, dolo.
- Estão regulamentadas,
decretadas ou autorizadas?
- Acho que sim, estão legalizadas... está tudo sob controlo.
- Não é isso, se os gestores estão autorizados a roubarem.
- Que saiba, não.
- Somos os únicos
que nos autorizamos a roubar, mais ninguém, isso é concorrência
desleal.
- Recrio mais uma
comissão de inquérito e depois mando os mosqueteiros farejarem os despojos?
- Por enquanto não. Fala com o marquês
das finanças. Como é que ele se chama? São tantos que por vezes
esqueço os nomes.
- Meu rei, aquele que
esteve no reino do FMI?
- Sim, esse.
- Já sei! É fácil, marquês FMI… a propósito ele
entregou-me uma carta de um contabilista
corajoso, onde denuncia as cópias de documentos
falsos de uma empresa
que nos
roubou milhões de dólares. Isto para nós é absolutamente normal.
- Parece-me que é a primeira
vez no meu
reino que alguém, um idiota
contabilista, tem a coragem de nos denunciar com provas.
- Concordo, meu rei. As empresas saqueiam o reino e o neocolonialismo vencerá.
- Não é tanto
prismático, descreve-me a documentação.
- Factura 2552.
Maxis, 2 de Dezembro. Serviços assistência. 3.000.000.00 de dolo. Factura 1532,
Maxis, 15 de Dezembro. Fornecimento de
pneus e materiais. 2.800.000.00 de dolo.
Factura sem número.
Maxis, 20 de Dezembro. Material diverso, 9.000.000.00 de dolo. Factura 001/Max/12/03.
Maxis, 28 de Dezembro. Construção das instalações da Maxis. 3.500.000.00 de dolo. Saída de caixa sem número. Maxis, Dezembro
03. Pagamento alugueres do terreno, 540.000.00 de
dolo.
Epok é um operativo,
por isso não se sente à vontade nas vestes de administrativo. Tosse algumas
vezes, para ver se consegue dar por terminado o relambório, mas debalde:
- Continua Epok.
- Meu rei, o contabilista indica os métodos
que utilizam para
nos roubarem.
- Ai é! Grande
burro. Creio que vai acabar com um saco de plástico na cabeça.
- Continuando meu
rei… omissão da facturação. Omissão ou diminuição das existências. Falta de gestão das existências. Emissão de documentos a simular pagamentos aos sócios. Omissão das contas bancárias em divisas. A conta Caixa, credora. No fim do ano
emitem-se documentos de outras empresas,
as quais funcionam como fantasmas.
Movimentação de divisas sem a criação
da conta Caixa em
divisas. Casas de câmbios e agências
de viagens utilizadas para lavagens de dinheiro.
Seis empresas do mesmo sócio maioritário, mas os seus custos
suportam-se apenas por uma, e as
receitas ocultam-se. No fim do ano emitem-se documentos
falsos, de fornecimentos para a única
que funciona. Auto financiamento,
grandes negociatas e ostentação de riqueza com os vencimentos
não pagos aos trabalhadores. As empresas
de construção civil
são as mais sacanas, as que mais roubam
e exploram num reino onde não existe contabilidade.
Não havendo
prestação de contas, o reino a qualquer momento implode como o subprime. Por exemplo: 800 tijolos, mas
só gastaram 200. Aditamentos
a orçamentos omitem-se. Omissão dos movimentos na contabilidade de pagamentos
de dívidas por parte
das Finanças. Tentativa de corrupção aos funcionários das Finanças com
o pagamento de uma comissão
de 20%, ou superior,
se a dívida for paga.
Depois de receber
a divida, esta não é movimentada na contabilidade.
Viaturas vendidas
mas, continuam no inventário, não se fez o abate. Sobre-facturação, por exemplo: Uma resma
de papel custa
5 dólares, vende-se a 8, a
diferença paga-se numa conta
no estrangeiro. Viaturas pagas por empresas estatais desaparecem dos inventários,
passando para nome
pessoal dos directores. Ocultação de documentos
comprometedores em divisas.
Não reconciliação de
contas bancárias. Extractos bancários
viciados: um apresenta-se como real, outro, fictício, apresenta os movimentos
conluiados com os funcionários bancários. É daqui que nasce a riqueza
misteriosa. Ameaças de morte ao Técnico de Contas.
Estes empresários são cleptómanos de uma voracidade tão intensa, que até roubam um vulgar CD-ROM virgem.
Este reino está acabado, imolado, não temos empresas,
nem empresários, temos cantineiros.
Epok está bem
chateado, disfarça a temperatura elevada do seu termómetro cerebral. Não nasceu
para estas coisas. Como bom sipaio, reforça a maledicência:
- Meu rei, acho que procedemos mal.
Nunca demos
valor aos Técnicos de Contas. O reino distancia-se para além de um vulgar quilombo.
- Devemos questionar
o marquês FMI. O chato é que ele só se preocupa com
o reino do FMI. A nobreza deste reino só quer o que sai
das Minas Gerais, o resto que se lixe.
Epok, consegues explicar-me porque é que toda a força
de trabalho existente no reino está ao serviço do Governo… e não
avançamos!?
- Não sei, não sei, meu rei.
- Faz-me uma lista dos marqueses e marquesas que
estão no Governo.
- Isso é uma tarefa
muito difícil.
- Porquê Epok?
- Muitos são trabalhadores fantasmas.
Meu rei lembrei-me… temos uma situação muito grave.
- Qual?
- O navio que
trazia as velas afundou-se no alto mar. A arraia-miúda vai ficar às
escuras.
- Foram os
republicanos?
- Não. Os nossos
republicanos estão muito pacificados.
- Epok, há o azeite, o óleo.
- Acabou-se tudo. Ninguém quer importar. Dizem que não lhes pagamos.
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