terça-feira, 10 de abril de 2012

O Cavaleiro do Reino Petrolífero (04)



Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné
- Que desbunda minha filha! Saco sem fundo e delambido como é, a primeira coisa que fará é despejá-lo nos ouvidos do teu papá.
- Se lhe deres uns toques não.
- Como assim! O que é que insinuas?
- Eu sei…
 … Sabes o quê?
- Numa noite sonâmbula, entrevi-os na câmara.
- E o que é que filmaste?
- Duas paisagens encantadoras.
- Está bem, falo com ele mas, apenas esta vez. E deixa de me filmares, senão mando-te pôr a ferros, ou exilar-te.
- Mãe desculpa, estavas tão bonita… tão graciosa…
 … Andas muito pornográfica, vou boicotar-te a leitura de obscenidades.
- Não me faças isso, gosto muito de ti.
- Está bem, castramos por aqui.

CAPÍTULO III
O REI

Epok desavisado afunda-se no salão de honra privado do rei.
- Meu rei. Temos problemas com o projecto dos vinte milhões.
- Qual deles?! São tantos!
- Aquele dos pequenos cartões que o reino do Ocidente informatizou. Não me lembro do nome.
- O bilhete de identidade.
- Sim meu rei, obrigado. És a única pessoa do reino que sabe tudo.
- Por isso sou o rei, desvenda lá.
- Dispusemos vinte milhões dessa moeda, não me lembro do nome.
- Dólares!
- Efectivamente! Tu és a única pessoa do reino que sabe tudo.
- Já te disse… por isso sou o rei, diz lá.
- Cinco milhões… não sei o que se passa na minha cabeça, cinco milhões de… do… dores. É isso, desta vez acertei. Cinco milhões de dores.
- Cinco milhões de dólares!
O rei pausou-se. Aproximou-se da única janela existente, olhou para a paisagem do jardim enfeitado com as flores que mais tocavam a sua sensibilidade. Festejava-se interiormente quando contemplava a flor-da-paixão, a flor-do-sangue, a flor-da-noite, a flor-dos-amores e a flor-do-imperador. O cavaleiro Epok interrompe-lhe as aromáticas sensações.
- Meu rei. Dessa quantia foram retirados cinco milhões de dolo para a compra dos coches que apoiam as brigadas dos tais bilhetes. Eles gastaram metade e ficaram com o resto dos dolos.
- O que há aqui a fazer é decretar a lei da derrama. Mas quem a pagará? Se o grande reino FMI, parece-me, acaba de dizer que os meus súbditos vivem muito abaixo do limite da miséria… isto é uma situação muito grave, sem solução.
- Meu rei, para somar ainda mais, as empresas roubam-nos biliões de dolo todos os anos.
- Dólares! Dólares!
- Já entendi, dolo.
- Estão regulamentadas, decretadas ou autorizadas?
- Acho que sim, estão legalizadas... está tudo sob controlo.
- Não é isso, se os gestores estão autorizados a roubarem.
- Que saiba, não.
- Somos os únicos que nos autorizamos a roubar, mais ninguém, isso é concorrência desleal.
- Recrio mais uma comissão de inquérito e depois mando os mosqueteiros farejarem os despojos?
- Por enquanto não. Fala com o marquês das finanças. Como é que ele se chama? São tantos que por vezes esqueço os nomes.
- Meu rei, aquele que esteve no reino do FMI?
- Sim, esse.
- Já sei! É fácil, marquês FMI… a propósito ele entregou-me uma carta de um contabilista corajoso, onde denuncia as cópias de documentos falsos de uma empresa que nos roubou milhões de dólares. Isto para nós é absolutamente normal.
- Parece-me que é a primeira vez no meu reino que alguém, um idiota contabilista, tem a coragem de nos denunciar com provas.
- Concordo, meu rei. As empresas saqueiam o reino e o neocolonialismo vencerá.
- Não é tanto prismático, descreve-me a documentação.
- Factura 2552. Maxis, 2 de Dezembro. Serviços assistência. 3.000.000.00 de dolo. Factura 1532, Maxis, 15 de Dezembro. Fornecimento de pneus e materiais. 2.800.000.00 de dolo. Factura sem número. Maxis, 20 de Dezembro. Material diverso, 9.000.000.00 de dolo. Factura 001/Max/12/03. Maxis, 28 de Dezembro. Construção das instalações da Maxis. 3.500.000.00 de dolo. Saída de caixa sem número. Maxis, Dezembro 03. Pagamento alugueres do terreno, 540.000.00 de dolo.
Epok é um operativo, por isso não se sente à vontade nas vestes de administrativo. Tosse algumas vezes, para ver se consegue dar por terminado o relambório, mas debalde:
- Continua Epok.
- Meu rei, o contabilista indica os métodos que utilizam para nos roubarem.
- Ai é! Grande burro. Creio que vai acabar com um saco de plástico na cabeça.
- Continuando meu rei… omissão da facturação. Omissão ou diminuição das existências. Falta de gestão das existências. Emissão de documentos a simular pagamentos aos sócios. Omissão das contas bancárias em divisas. A conta Caixa, credora. No fim do ano emitem-se documentos de outras empresas, as quais funcionam como fantasmas. Movimentação de divisas sem a criação da conta Caixa em divisas. Casas de câmbios e agências de viagens utilizadas para lavagens de dinheiro.
Seis empresas do mesmo sócio maioritário, mas os seus custos suportam-se apenas por uma, e as receitas ocultam-se. No fim do ano emitem-se documentos falsos, de fornecimentos para a única que funciona. Auto financiamento, grandes negociatas e ostentação de riqueza com os vencimentos não pagos aos trabalhadores. As empresas de construção civil são as mais sacanas, as que mais roubam e exploram num reino onde não existe contabilidade.
Não havendo prestação de contas, o reino a qualquer momento implode como o subprime. Por exemplo: 800 tijolos, mas só gastaram 200. Aditamentos a orçamentos omitem-se. Omissão dos movimentos na contabilidade de pagamentos de dívidas por parte das Finanças. Tentativa de corrupção aos funcionários das Finanças com o pagamento de uma comissão de 20%, ou superior, se a dívida for paga. Depois de receber a divida, esta não é movimentada na contabilidade.
Viaturas vendidas mas, continuam no inventário, não se fez o abate. Sobre-facturação, por exemplo: Uma resma de papel custa 5 dólares, vende-se a 8, a diferença paga-se numa conta no estrangeiro. Viaturas pagas por empresas estatais desaparecem dos inventários, passando para nome pessoal dos directores. Ocultação de documentos comprometedores em divisas.
Não reconciliação de contas bancárias. Extractos bancários viciados: um apresenta-se como real, outro, fictício, apresenta os movimentos conluiados com os funcionários bancários. É daqui que nasce a riqueza misteriosa. Ameaças de morte ao Técnico de Contas. Estes empresários são cleptómanos de uma voracidade tão intensa, que até roubam um vulgar CD-ROM virgem. Este reino está acabado, imolado, não temos empresas, nem empresários, temos cantineiros.
Epok está bem chateado, disfarça a temperatura elevada do seu termómetro cerebral. Não nasceu para estas coisas. Como bom sipaio, reforça a maledicência:
- Meu rei, acho que procedemos mal. Nunca demos valor aos Técnicos de Contas. O reino distancia-se para além de um vulgar quilombo.
- Devemos questionar o marquês FMI. O chato é que ele só se preocupa com o reino do FMI. A nobreza deste reino só quer o que sai das Minas Gerais, o resto que se lixe. Epok, consegues explicar-me porque é que toda a força de trabalho existente no reino está ao serviço do Governo… e não avançamos!?
- Não sei, não sei, meu rei.
- Faz-me uma lista dos marqueses e marquesas que estão no Governo.
- Isso é uma tarefa muito difícil.
- Porquê Epok?
- Muitos são trabalhadores fantasmas. Meu rei lembrei-me… temos uma situação muito grave.
- Qual?
- O navio que trazia as velas afundou-se no alto mar. A arraia-miúda vai ficar às escuras.
- Foram os republicanos?
- Não. Os nossos republicanos estão muito pacificados.
- Epok, há o azeite, o óleo.
- Acabou-se tudo. Ninguém quer importar. Dizem que não lhes pagamos.


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