Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné
Comandante do navio Jingola/Titanic,
estamos a afundar-nos! Mando tocar a orquestra?!
Isto não é uma ditadura, é uma
dinastia bantu.
Estádios de futebol, palácios, catedrais, a liquidação dos
intelectuais – que não pensam como nós – uma guarda vermelha presidencial,
carros de luxo, a destruição da cidade de Luanda, a perseguição sistemática
como as SS, e roubo dos bens das vendedoras que vendem nas ruas para não
morrerem à fome, são mais valiosos que uma universidade. E as que existem são a
fingir. Não estão a formar nada nem ninguém. Estão a deformar o homem, a
ensombrar o amanhã.
- Usem banha de porco.
- Ah! O meu rei
não sabe que
uma epidemia deu cabo
deles!?
- Os vice-reinos não têm?
- Meu rei, com esses não vale a pena contar.
- E nós temos velas?
- Claro meu
rei. Temos um
milhão nos
armazéns reais.
- Já convocastes as Cortes Reais?
- Sim.
- Os vice-reis das províncias já chegaram?
- Não. O dinheiro
que enviámos para
pagamento da reparação
dos coches desapareceu pelo caminho.
- Foram os republicanos?
- Não, foram os nossos do ÉME.
- Os vice-reinos ainda não têm autonomia?
- Não. A questão
é que lhes
enviamos fundos suficientes,
mas nunca
apresentam contas.
- Porquê?
- Estão sempre com desculpas.
Ora não tem luz, água,
contabilistas, que as máquinas e os equipamentos estão sempre
avariados. E que, quando reparadas roubam as peças,
ou quando
conseguem enviar as contas, dizem que os
documentos desapareceram aqui.
- Estamos a ficar como
as ruínas do reino
do Zimbabué.
- Meu rei,
como o reino
do Níger e muito próximos da Guiné
Equatorial.
- Não teremos muitos problemas.
O reino do Ocidente
e os chineses fecham os olhos, apoiam-nos enquanto
dependerem do líquido negro.
O rei carregou o sobrolho. Epok, tenta mascarar-se puxando com os dedos
das mãos a gola do casaco. Epok, adivinha que vai sair o último argumento do
rei.
- Mais uma piada como essa, mando
o arauto real
anunciar que
vais para uma embaixada
de um reino
desconhecido. Epok, basta, ausenta-te!
Depois, só, o rei remirou o
jardim. Sorriu e sentiu o perfume do
lírio-vermelho que a rainha lhe oferecera. Meditou:
As flores
são excelsas, agradáveis.
Atraem-nos, obrigam-nos a olhar para
elas. Não
entendo porque diferem das pessoas. Se conseguisse encontrar uma pessoa
competente, inteligente para
me ajudar, que fosse capaz de pôr devidamente o meu
reino a funcionar,
que acabasse com
a miséria das populações,
os republicanos seriam vencidos. Mas onde encontrar uma pessoa assim? Vejo que é demasiado
tarde. Estão todos
do lado dos republicanos. Só os incompetentes
e corruptos me
procuram. Antes roubavam às escondidas, agora
roubam às claras. O meu
reino está perdido. Tenho que procurar um hábil jeito para me reformar. Encontrar um país que me dê exílio, e nele acabar
tranquilamente o resto dos meus dias. Se
ao menos conseguisse um super ministro como
Colbert… com os adiantamentos petrolíferos que recebemos, o meu reino
ficará hipotecado durante mil anos.
O Cavaleiro Epok despacha-se para
sair do Palácio
Castelo-Forte. Passa-se algo de anormal,
berra:
- Rei-de-armas!!!
- Sim meu
chefe!
- Desce-me a merda da ponte
levadiça!
- Não dá chefe.
- Desce-me já a merda da ponte levadiça.
As piranhas estão esfomeadas no fosso e
a única comida
são vocês.
- Chefe, não
temos óleo. Está tudo
enferrujado.
- O que é que
fizeram ao óleo?
- As últimas visitas levaram-no.
- Vai nos armazéns
reais e trás
mais.
- Não é preciso
documento?
- Não, diz que fui eu que mandei.
- Chefe, não
aceitam sem documento.
- Arranja-me um bocado de papel e qualquer
merda que escreva!
- Ah, chefe! Aproveito e trago algum para mim. Digo que são ordens do chefe.
Passou-se muito tempo a olear as dobradiças e as correntes
da ponte levadiça.
A lentidão lembrava um caracol. Epok aproveita para
tirar uma boa soneca.
Quando acordou, espreitou para o fosso. Apanhou uma pedra
e atirou-a para baixo.
Houve pouco movimento
na água. Alarmado disse:
- As piranhas que estão no fosso
não satisfazem, arranjem mais!
- Chefe, aqui não há, só no reino do Brasil.
- Arranjem um barco
e carreguem as que puderem. Ou vão ao mercado do Roque Santeiro. Piranhas
são o que
há lá demais. Com
gente assim, este
reino não
tem futuro.
A ponte levadiça
desce, faltam algumas tábuas. Epok avança, trava o
cavalo. Este
escorrega e enfia as patas dianteiras
num buraco. Os guardas
retiram o cavalo. Epok assustado grita.
- Rei-de-armas!!!
- Chefe!
- Quem tirou as tábuas?
- É a população de noite para fazerem a comida.
- De noite (!) Os guardas
dormem?!!
- Não chefe.
À noite não
fica ninguém aqui.
Saímos e vamos ter com
as nossas namoradas.
- Manda partir
todas as casas próximas ao Castelo. Vão ter com o marquês GOR.
- Marquês quê
chefe?
-GOR! Gabinete de Obras Reais. Quando voltar quero ver as piranhas bem gordinhas.
- Chefe, esse
GOR não vai conseguir
tão cedo.
- Porquê?
- Estão muito ocupados a partir centenas de casas ao pé
de outros castelos.
- Com tantos
desempregados admitam mais gente. Tenho que
dizer ao rei que
está difícil sair
do Castelo.
A rua da Maianga, esburacada, suja
e sempre enlameada, está cheia de mulheres
que foram escorraçadas de outras ruas pelos homens do
vice-rei. Estão sentadas atrás das
banheiras com frutas, hortaliças, pão com chouriço, chinelos, roupas, etc. As crianças brincam junto
às mamãs, que não permitem que se afastem. Os homens
do vice-rei podem surgir a qualquer
momento e tirarem-lhes as coisas. As
mamãs assustam-se devido ao galope de um cavalo. Param e ficam alerta.
Uma voz aproxima-se.
- Rua limpa!
Vai cavalgar o cavaleiro Epok!
As mamãs não se preocupam nem um cochito. O arauto
insiste.
- São surdas? Ponham-se a andar,
o cavaleiro Epok vai passar.
As mamãs permanecem-lhes infiéis, mas fiéis nas suas
posições das confrarias da secular sobrevivência. Nenhuma se dispõe a arredar pé. Uma
delas com olhar de peixe morto no chão, marimba-se:
- Não temos mais
para onde ir. Precisamos de vender alguma coisa para comermos. Vocês têm o líquido negro, e nós
nem ruas temos, não temos nada.
-Não ouvem o barulho?! O cavaleiro
está a chegar!
Com efeito Epok aproxima-se. Manda
fazer alto. Chama o arauto.
- Mas que
porra de merda é esta?
- Sim chefe, não querem sair.
- Já vão
ver como é!..
Ó suas teimosas, esta rua é para o rei e sua
nobreza passarem! Vão vender
para outro
lado! Suas parvas, só
sabem é andar com
filhos às costas
e banheiras nas cabeças.
Só o som do silêncio se ouviu. Uma mais
ousada agita
a mão, como
se estivesse a enxotar mosquitos.
Epok impacienta-se.
- Suas ratas
dos esgotos, vou passá-las à espada!
Mosqueteiros, prendam-nas e atirem-nas para as piranhas. Não… para as masmorras dos
republicanos. Senão, esse das mãos sempre
livres vai queixar-se na rádio
dos republicanos.
Uma jovem nhaneca-humbe, (são todas muito bonitas) quase despida,
observa à distância. E contrapõe, canta,
descarta em voz
alta.
Já estou despida
Bem despedida estou
O rei me
desnudou.
Epok não suporta tamanho
atrevimento, deslealdade, antipatriotismo. Um
insulto ao rei
é imperdoável. Corre para
ela e dá-lhe uma violenta
chapada na cara. A jovem
cai quase desmaiada. A chorar
ameaça:
- Vou-te queixar no cavaleiro La Padep.
- Podes queixar-te onde quiseres.
Ao marquês do Santo
Oficio, à Rádio dos Republicanos, às Mãos Livres, à Despertar... guardas… masmorra com
estas republicanas.
As desgraçadas não ficaram muito tempo presas. O paladino Divad, sempre com as mãos livres,
assediou tanto e tanto o marquês do Santo
Oficio, que para
se ver livre
dele, ordenou a exumação das masmorras.
As mamãs saíram, os seus miseráveis haveres
não. Foram confiscados em nome do rei.
- Epok!
- Meu rei!
- Vou para o reino
do Ruanda, inicia os preparativos. Mas que nome para designar
um país
em África, só
mesmo aqui.
Esse nome
não faz sentido.
Como sempre
nós inventamos as coisas,
e os outros, os ocidentais, apropriam-se das nossas ideias. Foi assim com as pirâmides do Egipto. Copiaram a sua
arquitectura e agora querem direitos de autor.
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