domingo, 15 de abril de 2012

O CAVALEIRO DO REINO PETROLÍFERO (05)



Reino Jingola, algures no Golfo da Guiné
Comandante do navio Jingola/Titanic, estamos a afundar-nos! Mando tocar a orquestra?!
Isto não é uma ditadura, é uma dinastia bantu.
Estádios de futebol, palácios, catedrais, a liquidação dos intelectuais – que não pensam como nós – uma guarda vermelha presidencial, carros de luxo, a destruição da cidade de Luanda, a perseguição sistemática como as SS, e roubo dos bens das vendedoras que vendem nas ruas para não morrerem à fome, são mais valiosos que uma universidade. E as que existem são a fingir. Não estão a formar nada nem ninguém. Estão a deformar o homem, a ensombrar o amanhã.

- Usem banha de porco.
- Ah! O meu rei não sabe que uma epidemia deu cabo deles!?
- Os vice-reinos não têm?
- Meu rei, com esses não vale a pena contar.
- E nós temos velas?
- Claro meu rei. Temos um milhão nos armazéns reais.
- Já convocastes as Cortes Reais?
- Sim.
- Os vice-reis das províncias já chegaram?
- Não. O dinheiro que enviámos para pagamento da reparação dos coches desapareceu pelo caminho.
- Foram os republicanos?
- Não, foram os nossos do ÉME.
- Os vice-reinos ainda não têm autonomia?
- Não. A questão é que lhes enviamos fundos suficientes, mas nunca apresentam contas.
- Porquê?
- Estão sempre com desculpas. Ora não tem luz, água, contabilistas, que as máquinas e os equipamentos estão sempre avariados. E que, quando reparadas roubam as peças, ou quando conseguem enviar as contas, dizem que os documentos desapareceram aqui.
- Estamos a ficar como as ruínas do reino do Zimbabué.
- Meu rei, como o reino do Níger e muito próximos da Guiné Equatorial.
- Não teremos muitos problemas. O reino do Ocidente e os chineses fecham os olhos, apoiam-nos enquanto dependerem do líquido negro.
O rei carregou o sobrolho. Epok, tenta mascarar-se puxando com os dedos das mãos a gola do casaco. Epok, adivinha que vai sair o último argumento do rei.
- Mais uma piada como essa, mando o arauto real anunciar que vais para uma embaixada de um reino desconhecido. Epok, basta, ausenta-te!
Depois, só, o rei remirou o jardim. Sorriu e sentiu o perfume do lírio-vermelho que a rainha lhe oferecera. Meditou:
As flores são excelsas, agradáveis. Atraem-nos, obrigam-nos a olhar para elas. Não entendo porque diferem das pessoas. Se conseguisse encontrar uma pessoa competente, inteligente para me ajudar, que fosse capaz de pôr devidamente o meu reino a funcionar, que acabasse com a miséria das populações, os republicanos seriam vencidos. Mas onde encontrar uma pessoa assim? Vejo que é demasiado tarde. Estão todos do lado dos republicanos. Só os incompetentes e corruptos me procuram. Antes roubavam às escondidas, agora roubam às claras. O meu reino está perdido. Tenho que procurar um hábil jeito para me reformar. Encontrar um país que me dê exílio, e nele acabar tranquilamente o resto dos meus dias. Se ao menos conseguisse um super ministro como Colbert… com os adiantamentos petrolíferos que recebemos, o meu reino ficará hipotecado durante mil anos.
O Cavaleiro Epok despacha-se para sair do Palácio Castelo-Forte. Passa-se algo de anormal, berra:
- Rei-de-armas!!!
- Sim meu chefe!
- Desce-me a merda da ponte levadiça!
- Não dá chefe.
- Desce-me já a merda da ponte levadiça. As piranhas estão esfomeadas no fosso e a única comida são vocês.
- Chefe, não temos óleo. Está tudo enferrujado.
- O que é que fizeram ao óleo?
- As últimas visitas levaram-no.
- Vai nos armazéns reais e trás mais.
- Não é preciso documento?
- Não, diz que fui eu que mandei.
- Chefe, não aceitam sem documento.
- Arranja-me um bocado de papel e qualquer merda que escreva!
- Ah, chefe! Aproveito e trago algum para mim. Digo que são ordens do chefe.
Passou-se muito tempo a olear as dobradiças e as correntes da ponte levadiça. A lentidão lembrava um caracol. Epok aproveita para tirar uma boa soneca. Quando acordou, espreitou para o fosso. Apanhou uma pedra e atirou-a para baixo. Houve pouco movimento na água. Alarmado disse:
- As piranhas que estão no fosso não satisfazem, arranjem mais!
- Chefe, aqui não há, só no reino do Brasil.
- Arranjem um barco e carreguem as que puderem. Ou vão ao mercado do Roque Santeiro. Piranhas são o que há lá demais. Com gente assim, este reino não tem futuro.
A ponte levadiça desce, faltam algumas tábuas. Epok avança, trava o cavalo. Este escorrega e enfia as patas dianteiras num buraco. Os guardas retiram o cavalo. Epok assustado grita.
- Rei-de-armas!!!
- Chefe!
- Quem tirou as tábuas?
- É a população de noite para fazerem a comida.
- De noite (!) Os guardas dormem?!!
- Não chefe. À noite não fica ninguém aqui. Saímos e vamos ter com as nossas namoradas.
- Manda partir todas as casas próximas ao Castelo. Vão ter com o marquês GOR.
- Marquês quê chefe?
-GOR! Gabinete de Obras Reais. Quando voltar quero ver as piranhas bem gordinhas.
- Chefe, esse GOR não vai conseguir tão cedo.
- Porquê?
- Estão muito ocupados a partir centenas de casas ao pé de outros castelos.
- Com tantos desempregados admitam mais gente. Tenho que dizer ao rei que está difícil sair do Castelo.
A rua da Maianga, esburacada, suja e sempre enlameada, está cheia de mulheres que foram escorraçadas de outras ruas pelos homens do vice-rei. Estão sentadas atrás das banheiras com frutas, hortaliças, pão com chouriço, chinelos, roupas, etc. As crianças brincam junto às mamãs, que não permitem que se afastem. Os homens do vice-rei podem surgir a qualquer momento e tirarem-lhes as coisas. As mamãs assustam-se devido ao galope de um cavalo. Param e ficam alerta. Uma voz aproxima-se.
- Rua limpa! Vai cavalgar o cavaleiro Epok!
As mamãs não se preocupam nem um cochito. O arauto insiste.
- São surdas? Ponham-se a andar, o cavaleiro Epok vai passar.
As mamãs permanecem-lhes infiéis, mas fiéis nas suas posições das confrarias da secular sobrevivência. Nenhuma se dispõe a arredar pé. Uma delas com olhar de peixe morto no chão, marimba-se:
- Não temos mais para onde ir. Precisamos de vender alguma coisa para comermos. Vocês têm o líquido negro, e nós nem ruas temos, não temos nada.
-Não ouvem o barulho?! O cavaleiro está a chegar!
Com efeito Epok aproxima-se. Manda fazer alto. Chama o arauto.
- Mas que porra de merda é esta?
- Sim chefe, não querem sair.
- Já vão ver como é!.. Ó suas teimosas, esta rua é para o rei e sua nobreza passarem! Vão vender para outro lado! Suas parvas, só sabem é andar com filhos às costas e banheiras nas cabeças.
Só o som do silêncio se ouviu. Uma mais ousada agita a mão, como se estivesse a enxotar mosquitos. Epok impacienta-se.
- Suas ratas dos esgotos, vou passá-las à espada! Mosqueteiros, prendam-nas e atirem-nas para as piranhas. Não… para as masmorras dos republicanos. Senão, esse das mãos sempre livres vai queixar-se na rádio dos republicanos.
Uma jovem nhaneca-humbe, (são todas muito bonitas) quase despida, observa à distância. E contrapõe, canta, descarta em voz alta.
Já estou despida
Bem despedida estou
O rei me desnudou.
Epok não suporta tamanho atrevimento, deslealdade, antipatriotismo. Um insulto ao rei é imperdoável. Corre para ela e dá-lhe uma violenta chapada na cara. A jovem cai quase desmaiada. A chorar ameaça:
- Vou-te queixar no cavaleiro La Padep.
- Podes queixar-te onde quiseres. Ao marquês do Santo Oficio, à Rádio dos Republicanos, às Mãos Livres, à Despertar... guardas… masmorra com estas republicanas.
As desgraçadas não ficaram muito tempo presas. O paladino Divad, sempre com as mãos livres, assediou tanto e tanto o marquês do Santo Oficio, que para se ver livre dele, ordenou a exumação das masmorras. As mamãs saíram, os seus miseráveis haveres não. Foram confiscados em nome do rei.
- Epok!
- Meu rei!
- Vou para o reino do Ruanda, inicia os preparativos. Mas que nome para designar um país em África, só mesmo aqui. Esse nome não faz sentido. Como sempre nós inventamos as coisas, e os outros, os ocidentais, apropriam-se das nossas ideias. Foi assim com as pirâmides do Egipto. Copiaram a sua arquitectura e agora querem direitos de autor.

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